terça-feira, 21 de abril de 2009

Alguns textos de 2009


A Rua da Revolução e o ocaso dos sonhos (Revolutionary Road, Richard Yates, 1961)Apr 18, '09 9:28 AM
for everyone
Foi Apenas Um Sonho” é o título dado no Brasil ao “Revolutionary Road” (RR) de Sam Mendes, filme homônimo ao romance original de Richard Yates (1961), que chegou no mês passado às livrarias brasileiras em primorosa tradução. E se o péssimo costume latinoamericano de reinterpretar o título de filmes estrangeiros no mais das vezes põe por terra sutilezas de toda sorte, desta feita até que o sentido “em português” não faz feio perante o título original.


Mas não, não vi o filme. Apesar de ser fã de primeira hora da já mitológica Kate Winslet (atriz talhada para grandes papéis, como esta April Wheeler), e de ter aplaudido de joelhos a escolha de DiCaprio para o papel do esposo Frank, ainda não tive a oportunidade de ver o filme. E acho que vou demorar a querer ver, ainda zonzo do embate intelectual a que Mr. Yates, ghostwriter de Bob Kennedy, nos presenteia em RR. Quem viu (o filme) diz que fica aquém de “American Beauty”, e a léguas – não anos-luz - do caleidoscópio de ideias apresentado no romance. Eu disse léguas. Com atores como Leo e Kate, vale uma olhada. Mas se puder leia o livro. Leia o livro primeiro. Assim como há filmes in natura que, se precedidos da leitura do livro que os inspirou, pareceriam menores do que realmente são, há livros tão magistrais que qualquer interferência na memória pode bastar para macular uma experiência em tudo sobrenatural. Então falemos do livro, por ora, o que já é assunto que basta.


E este acerta em cheio, de cara, com um título que só poderia ser mais cru e direto se portasse número da residência, telefone ou os dizeres “The Wheelers”. A tal Rua da Revolução define bem espaço e lugar, onde o desejo de significância faz o casal – culto e relativamente inteligente e letrado, ainda que ainda lhes falte estofo moral ou verdadeira fineza - residente na única casa sui generis de toda a região, lute para permanecer intelectualmente vivo e pessoalmente motivado perante a degradação social que os cerca, pintando um painel perfeitamente apropriado para uma crônica dos subúrbios das grandes cidade americanas nos dourados anos cinquenta.


O sucesso de Yates, escritor de recursos técnicos aparentemente ilimitados, deve-se em grande parte ao sucesso da obra, que difundiu-se lenta e consistentemente ao longo das últimas cinco décadas. Lido hoje, com o cérebro embebido por anos de exposição a clichês dos anos 50 - década eternamente a ser revista nos clássicos desenhos animados, na música e na moda - “Revolutionary Road” sintetiza tal época como talvez nenhuma outra obra de arte no período - e tanto quanto o rock'n'roll e a minissaia, as tiaras e os topetes e a gomalina (e o cheiro de estofamento de couro, perfume e saliva no banco de trás dos carrões rabos-de-peixe.,,) E o faz sem precisar apelar a qualquer lugar comum, quase sem fazer referẽncia à revolução nos costumes, sem elevar seus olhos acima de horizontes previsíveis à vidinha suburbana do casal de protagonistas, cuja juventude teima em (começar a) ficar para trás.


Revolutionary Road” é prosa elaborada, endereçada a adultos experientes. Incisiva e certeira, por vezes sua voz é cruel: revela suas personagens com rapidez e violência, como quem descasca, arranca ou rebenta. Ao romance nada falta, visto que as tramas, emaranhadas, todas se fecham; nada sobra, visto que é justamente na secura e na economia que reside sua força.


À medida que avança para o final, Yates vai progressivamente asfixiando o leitor, fazendo-o partilhar da tragédia anunciada dos Wheeler e sofrer impotente ao vê-los transformar sonhos em mágoa e desesperança. Torce-se por eles porque é assim que aprendemos a reagir às inteligências do roteiro, é claro, e porque o papo é bom, obviamente, mas em primeiro lugar porque são humanos, muitíssimo humanos, e espelham a cada minuto outra face de nós.


Herdeiro de características fitzgeraldianas, Yates consegue (ele próprio ainda na casa dos trinta anos quando escreveu este livro) unir ritmo e verve, sensibilidade e musicalidade aliados a uma perfeita construção de roteiro e personagens – e brilha com o mesmo desvelo comedido, perfeccionista e espontâneo dos contos tardios de Scott. Mestre no uso da técnica de contrapor pontos de vista, o narrador brinca com a dupla premissa de “estar” ou ”não estar lá”, aproveitando-se da possibilidade de observar cada vaso e seu conteúdo, aproximando-se do ideal utópico do criador-deus, onipresente e onisciente (porém discreto e anedônico).


Aliar concisão e leveza ao explorar uma história dramática surpreendem o leitor, que até espera, mas nunca chega a ver, o narrador escorregar nas tintas. Impressionado pela ficção de altíssima qualidade - pinceladas rápidas e certeiras que jamais resvalam para a vulgaridade – o leitor logo vê que Richard Yates se distancia de “contemporâneos” como Nelson Archer e toda a geração beat, Salinger ou Cheever (com quem é frequentemente comparado) por um apuro formal elaborado que é só seu.


Mesmo bêbados, há que se manter uma certa compostura”, disse um dia o Francis Scott – ou coisa que o valha: lição cumprida à risca na magnífica cena do desabafo de Frank à esposa e a um casal de amigos, transformado em palavrório vazio e ininteligível no imediato instante em que é proferido, lembrando-nos que a verdade nem sempre é agradável de se escutar.


Enfim, um livro para ler, guardar e reler. Que todo casal dever ler, todo verdadeiro amante da literatura guardar no coração, e qualquer metido a literato reler.



Blog Entryo NoNsEnSeApr 17, '09 11:14 AM
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pra ser nonsensenão pode sereconhecernonsense.

Blog EntryUrubundeandoApr 16, '09 10:35 PM
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Urubu

se acha malandro

mas antes se joga na luta

por um caquinho qualquer

que se joga pro bando.

Nem para pra pensar

que pode não ser de comer

que pode ser sacanagem

do transeunte cruel

que lhe conhece a essência.

Ser humano nem sempre é tão diferente

de ser urubu.

Nos bicamos uns aos outros

e nem sempre sabemos porquê.


Torna-se cada vez mais comum no Brasil um fenômeno cultural que eu gostaria de nomear, se soubesse que nome dar - na falta deste, chamo de "política da descaracterização".

Funciona assim: em vez de agredir um inimigo (ou um ídolo, ou uma celebridade, ou um concorrente), DESCARACTERIZE-O. Se você é médico, por exemplo, fale mal do colega para (ex)pacientes, outros colegas, enfermeiros e profissionais da saúde em geral. Mas não se trata de um "falar mal" tradicional, e sim da tal "descaracterização". Explico: em vez de dizer que o cara é ruim, diga que ele "até que" é legal, mas, "coitado", teve uma formação deficitária, não sabe fazer isto ou aquilo (de preferência se não houver como alguém provar o contrário). Diga que ele se formou... na Bolívia, por exemplo, ou melhor: que se formou em Cuba e só clinica no Brasil porque é do PT!!! Diga que os professores que o formaram na Residência Médica o detestam, não o recomendariam para lugar algum, etc, etc. Como ninguém vai checar, em pouco tempo a fofoca "cola" no personagem, "vira" verdade.

É mais o menos o que a mídia havia feito com o Ronaldo Fenômeno: taxaram-no de gordo (o que era verdade, mas não irreversível), vagabundo (o que sua capacidade exemplar de recuperação atlética sempre provou ser mentira) e "baladeiro" (ou boêmio, coisa que a maioria de nossos craques é mesmo, como de quebra a metade esquerda da torcida do Flamengo, coisa que nunca impediu ninguém de jogar, como Romário não nos deixa esquecer). Enfim, mataram o cara antes da hora, enterraram-no vivo... e agora dizem "Ooooooh!" como se presenciassem um milagre. Humpf! Quanto tempo se passou desde aquele comercial que dizia "sou brasileiro e não desisto nunca"?

(Parênteses: engordar é que foi o pior para Ronaldo. Parece que se o cara cair de boca nas drogas, por exemplo, como o multiplatinado campeão das piscinas olímpicas, ele tem perdão - se duvidar até vira "vítima". Mas gordo não. "Só é gordo quem quer", quem não se cuida, quem não se ama. Um atleta engordar? Imperdoável! É. O gordo é mesmo o novo fumante, vítima das patrulhas do "politicamente correto"...)

E agora vem o Rubens Barrichello, que Deus o conserve assim. Morto e enterrado, mortíssimo, humilhado até pelos mancos dos brasileirinhos que a moçada da finada equipe Honda chamou para testar o... carro velho, do ano passado. Tudo bem, você vai dizer, o Rubinho é um mala, nunca ganhou nada... Epa! Peraí! O cara sempre foi campeão, em todas as categorias onde competiu exceto a F1. Na Ferrari, virou lenda sua capacidade de acerto do carro, não só o seu, mas o do Schummy também, que sempre dava uma "coladinha" no que o Rubinho havia feito com o seu carro. Antes e depois, então, o ostracismo de pequenas e péssimas equipes. Mas morto? Mortinho? Nããão. Não!

E que bom que veio a equipe Brawn, com toda a genialidade de seu mentor, que não é bobo nem nada e chamou o Barrichello pelas suas ca-rac-te-rís-ti-cas (dedicado, batalhador, bom acertador de carros, perfeccionista) e não por sua (má e indevida) fama de loser. O resultado está lá: um início de temporada merecidamente brilhante.

Certo estava o Ronaldo, quando desabafou no programa do Galvão Bueno, relembrando não só como lhe faltaram com o devido respeito nos últimos meses, mas como foram esquecidos (JÁ!) outros craques a quem o Brasil deve - no mínimo! - um agradecimento pela conquista da Copa de 2002: leia-se RIVALDO, que para muitos já "morreu" para o futebol, mas continua firme, lá no... qual é o time mesmo? - onde espera pacientemente que alguém se lembre do jogador que ele foi e o convide para uma despedidazinha pela seleção.

* * *

Victor Hugo dizia no poema célebre, já musicado pelo Frejat, que de vez em quando é salutar sentar-se em frente a todo o seu dinheiro e resolver quem manda em quem.

Termino meu (pobre) texto dizendo que de vez em quando é bom para a psique olhar-se no espelho, real ou virtual, e lembrar quem somos, afinal.

O juízo e o julgamento a respeito de quem somos não pode ser pautado tão somente no que "os outros" pensam de nós.

* * *

P.S. Meu retrato está lá, no Google, onde outro dia fui dar uma olhada narcísica em tudo que eu pudesse achar sobre mim mesmo. Há o médico, o escritor, o pai de família; meus textos na grande e na pequena imprensa, minhas participações em concursos públicos, em revistas e congressos médicos.

Aquele que tenta me descaracterizar está lá também, como virtualmente todo o mundo, hoje em dia. Na primeira página de resultados do Google sobre tal pessoa, seu nome rima com processo.

Chamem-me de babaca, se quiserem, mas é muito bom saber quem eu sou, de vez em quando pelo menos, só para variar.


Blog EntryGrandes EsperançasMar 28, '09 9:24 AM
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Estreia nos EUA "LITTLE DORRIT" - on most PBS stations on Sunday nights through April 26 - adaptação por Andrew Davies para a televisão do romance de Charles Dickens.

Como há alguns anos, com a adaptação de Polanski para "Oliver Twist", partimos de uma visão estreita, localizada no espaço e no tempo - a Inglaterra vitoriana - que nos enreda e fascina, para logo em seguida, como em uma epifania, obter-se a larguidão dos vastos espaços da história universal.

Dickens é representação do real em banda larga, piegas como Hugo, psicológico como Balzac, arguto como Nietzsche - mas mais real que todos. A observação da equação pobreza + exploração = fortunas + crise + injustiça é diagnóstico marxista do eterno ciclo de escravização de indivíduos por governos absolutistas e suas coortes (talvez por isso, "só" - digam que a democracia é o pior dos governos... fora todos os outros).

Em "Little Dorrit" a América dos anos 00 - que não se demoram - (re)lê a história de sua mais recente derrocada - não necessariamente a última. Vê os exageros de Wall Street e a política escorchante de juros cada vez mais baixos (ah! Que achado da lógica!) a envolver a desafiante classe média americana, tão sequiosa de novos gadgets.


E enxerga como a crise é o fruto final do hedonismo de uma sociedade decadente, onde os valores se perderam entre a ganância e o fanatismo religioso, com a pornografia de permeio, escondida em uma garrafa coberta por papel de pão. Como é deletéria a cultura da celebridade que faz Hollywood e a web cada vez mais glorificarem somente o belo, o vencedor, o popular ou o rapper bandidão - em detrimento do plasticamente prejudicado (que pode ter mais substância), do loser "de mercado" (também conhecido como "profissionalmente prejudicado", muitas vezes por puro azar e não por suas habilidade e defeitos, tão mediano que é), do nerd de boutique, do roqueiro de ocasião, do black pasteurizado. Ou mais recentemente ainda, o culto ao freak (vide os Jack Ass da vida, os supereróis da vida real (vigilantes fantasiados mascarados e armados que proliferam nas cidades americanas , muitas vezes agindo em apoio e suporte à polícia local), a devoção a assassinos à espera de execução e a insistente mania que tem os americanos de destruir seus ícones pela violência nas telas - tendo como último exemplo o "I Am The Legend" do Will Smith.

Ainda bem que botaram o Cristo lá em cima, no Rio, que espero ninguém queira derrubar em um longa metragem estúpido qualquer. Já basta o Muro - mais um Muro! - a dividir o morro e o asfalto.


Prevejo para o futuro - ah! pleonasmo! - bolhas condominiais, automovélicas, individuais, à prova de bala, que inflaríamos ao redor para nos defender das balas perdidas e ataques nas ruas. Talvez fosse a solução.

* * *

Ficar velho é ter lido "O Cavaleiro das Trevas" original, em seis edições, ter visto o que o cara previu acontecer e - pior! - ser sobrepujado por uma realidade ainda mais cruel em inúmeras localidades das Américas, África e Ásia. Ali na Tijuca, ou na periferia de Curitiba.

Ficar velho é ter vivido em um mundo que ainda respirava os aromas benfazejos de uma "opção pelo bem" feita uma ou duas gerações antes - o não ao nazi-fascismo, a defesa da democracia e do Estado de Direito, o desenvolvimento do conceito de Direitos Humanos - e acordar, na beiradinha dos quarenta anos,em um mundo onde genocidios se repetem, desrespeitam-se acordos como o de Genebra, tortura-se e mata-se prisioneiros políticos, onde se vê crianças entre tanques e muros. Quase exatamente como há um ou dois séculos atrás.

Temo então, e com razões, que retornemos a um estado ainda mais anterior das coisas: Victor Hugo e Charles Dickens nos espantam com suas histórias porque mostram o pesadelo do século XIX que foi herdados do XVIII: a inexistência de um Estado protetor e simpático à pessoa humana, que provê educação, saneamento e saude para a comunidade, oferece suporte ao velho e à criança, e principalmente esta cultura ancestral de escravidão, de feudalismo local, de culto ao governante, aos poderosos e aos endinheirados.

Cá no Brasil, a farra do boi não atingiu a tantos, graças às medidas "protecionistas" tomadas pelo tal Comitê do Cupom, que não consegue imaginar juros de um digito. Simplesmente lhes é impossível. Com isso, apenas festejamos o relaxamento momentâneo nos prazos, comprando calhambequinhos brazucas a preço de ouro em 72 - suaves - prestações.

Mas a marola bate firme. Garanto que Monsieur Lulá já providenciou um botezinho qualquer para ele, a mulher do pacote e o que tem a chave do cofre. Que o Bush, meu amigo, se foi pra história. Cachaça na Casa Branca, nunca mais.

Leia Mais em:

Little Dorrit


Blog EntryWilson e a calmariaMar 27, '09 6:13 PM
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O barco à deriva

deriva



enquanto o náufrago
em gestação
costura as calças
nos restos de vela
dá uma mordida
no bíceps do amigo
- o resto tivera de jogar ao mar
perseguido que era
pelos tubarões -
e sonha com a ilha,
a praia,
a pedra
- droga, um rochedo
era suficiente -
que nunca chegará.



O gole?
O último.


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