quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A Porn Food e o Futuro da Televis�o (espelho)

A Porn Food e o Futuro da Televis�oOct 5, '10 8:33 PM
para todos
Acompanho j� h� alguns anos, at� pela onipresen�a, v�rios programas de culin�ria na tev�. L� se v�o muitos anos desde que a cachorrada da Ana Maria Braga era o prato mais comentado do dia.

Na tev� aberta nem sei mais, impregnado que estou pela cable television, descobrindo estarrecido que muitas, muitas vezes, o melhor da programa��o est� justamente nos programas de gastronomia.

Dos seminais, prof�cuos e plurais Jamie Oliver ("o cara da comida nas escolas brit�nicas", tamb�m conhecido como "o cara das ervinhas no quintal") e Gordon Ramsay (o dono da "Cozinha do Inferno", consertador de pesadelos e falador de palavr�o) passamos a degustar (ou n�o! o que por si j� � uma convers�o) os aloprados Andrew Zimmern e Anthony Bourdain, estrelas maiores da atual mir�ade de shows de culin�ria e escatologia que serve � tela pequena.

O primeiro se fez conhecido no mundo todo pelo seu imperd�vel "Bizarre Foods" (no Brasil, "Comidas Ex�ticas", DTL), cole��o para l� de interessante sobre h�bitos, culturas... e alimentos. Americano, judeu e chef de cozinha, Mr. Zimmern n�o desdenha, sempre quer comprar, fazendo valer seus bord�es: "se tiver boa apar�ncia, coma" e "nunca desista no primeiro peda�o" - inclusos insetos de toda sorte, cr�nios (de porco, carneiro e bode), tar�ntulas, r�pteis, roedores, morcegos e ratos. � o fim do mundo, e � legal, especialmente pelo respeito que o apresentador devota a tudo que � comest�vel - Mr. Zimmern comunga com Mr. Bourdain a cren�a de que se algo � bom o suficiente para outro ser humano comer, pode se experimentar.

"Tony Bourdain No Reservations" � o nome do show de seu amigo e ex-vizinho em Nova Iorque, cuja genialidade no comando das panelas p�e Andrew no chinelo. Feliz ou infelizmente, Tony � dono de trajet�ria mais err�tica e inconstante, variando do jet set � sarjeta e �s drogas, o que lhe garante mais profundidade na fala, que inclui pol�tica, antropologia e cultura em doses verborreicas - garantindo, de quebra, um escopo de vis�o provilegiado ao programa.

Nas temporadas que passam no Brasil, sempre com grande atraso, Tony viaja o mundo a bordo de muito senso cr�tico e capacidade de observa��o. N�o viaja simplesmente em busca de comida, como o compatriota, mas de forte e raras emo��es. S� falta chorar de alegria e tes�o em frente a uma bela sopa vietnamita; lambuza-se de sangue fresco de foca na cozinha de uma fam�lia inu�te no Canad�; titubeia frente a um complexo per�neo de porco, com conte�do e tudo, assado na brasa em uma savana africana. Experimenta a comida das ruas como quem vai � igreja, ciente do milagre da multiplica��o das rotinas e insumos por este mundo que pode ser qualquer coisa, menos desinteressante.

E de quebra presta o mesmo servi�o que tantos de seus comparsas: o resgate de tradi��es possivelmente morredouras, rep�rter ocular de hist�rias que j� podem ter acabado quando o programa vai ao ar. Uma delas, recheada de for�a po�tica que ultrapassa as barreiras da arte de se fazer televis�o, � a do fazedor de noodles em algum lugar da China, montado em seu imenso rolo de madeira, o �ltimo de sua profiss�o.

Recentemente o DTL reprisou a vers�o de Bourdain para o "Para�so/Heaven", em epis�dio especial que passeia por alguns dos melhores momentos de sua trajet�ria, que atinge seu ponto alto enaltecendo a intimidade de nossas bocas com a comida feita � m�o, pela m�o de outras pessoas, simbiose que toma dimens�o verdadeiramente metaf�sica em seu discurso apaixonado (por comida) em uma esquina qualquer de NY.

Antes, por�m, ao declinar exageros e absurdos veiculados em programas exatamente como o dele, Tony cria curioso neologismo ao se referir aos excessos alimentares de nossa obesa televis�o, que chama de "porn food", em clara alus�o a nosso modos onanistas e voyeuristas diante da imagem (virtual, claro) de um prato de comida.

�, Tony, voc� tem raz�o. Somos todos uns selvagens, como pode atestar outra figurinha em ascens�o no meio, o impag�vel Adam Richman (Man Vs. Food, FoxLife), cujo est�mago acomoda facilmente os muitos quilogramas dos desafios quantitativos t�o comuns nos EUA, numa maratona que d� fome e n�useas a um s� tempo.

De minha parte, aguardo ansiosamente pelas del�cias da gastronomia virtual, a ser desenvolvida nas pr�ximas d�cadas pela uni�o de talentos de tecn�logos da computa��o ecaras como esses citados aqui, que partem da simples comidinha nossa de cada dia para alus�es complexas que ajudam a entender o que fomos, como chegamos at� aqui, o que continuaremos comendo nas d�cadas vindouras e o que nunca mais comeremos: lembran�as de del�cias caseiras soterradas pela generaliza��o da "junkie food" e pela escassez de �gua e alimentos que, fatalmente, vir�.

E que tantas horas em frente � tev� me poupem uns anos de terapia. Sa�de!

(Foto: Outback, Rio de Janeiro, 2010)

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