sábado, 24 de janeiro de 2009

Para Ler Paulo Coelho

Para Ler Paulo Coelho
Posted by Renato on Sep 10, '08 11:06 PM for everyone
Nunca fui fã de Paulo Coelho, apesar de admirar sua figura pública (através das poucas e brilhantes entrevistas que dele assisti) e sua trajetória ímpar nas letras brasileiras. Falar de Paulo Coelho no Brasil, porém, parece (ainda) um tabu. Lê-lo, então, se você não for aquele típico leitor de “best-sel -lers” ou livros de auto-ajuda, pode ser considerado por muitos um pecado mortal.

Que qualquer um acaba cometendo, obviamente. Seus “maktub” estiveram lá, nos jornais, por mais tempo que podemos lembrar. Sua coluna dominical n’O Globo (e aqui no Almanaque, entre outros jornais), idem. Você acaba sendo atraído por uma palavra ou outra, pára em uma frase e quando vê, leu tudo.

Não que eu não tenha lido seus livros. Diário de um mago, O alquimista, As valquírias... Coisas do início de carreira se é que se pode chamar assim sua estréia estrondosamente cheia de sucesso. É claro que os li, leio de tudo. E gostei, como quem gosta de um bom filme hollywoodiano, como quem já conhece as histórias. Afinal, de Carlos Castañeda eu um dia fora realmente fã, lera as aventuras do feiticeiro Dom Juan na saída da adolescência e para mim, o que PC fazia em seus primeiros livros era apenas mais do mesmo: Castañeda requentado, em linguagem popular e direta, em meio a um amontoado de clichês sincretistas. Mais tarde li À margem do Rio Piedra... e entendi que a busca pelo transcendente havia pego o escritor de jeito, tinha-o feito se aproximar de tradições católicas e coisa e tal. Respeitei sua busca e vi que havia ali algo de verdade. Depois não li mais nada.

Com o tempo, aquele papo de guerreiros da luz pareceu-me incompatível com as minhas próprias buscas. Veio o Marcelo Mirisola, com seu humor ácido e cortante, dizer em uma entrevista na TV que “quem anda de lotação todo dia não tem lenda pessoal, pensar nessas coisas é pra desocupado”, etc, etc e eu ri, ri muito.

Há coisa de um ano atrás, andei às voltas com O zahir e fiquei absolutamente surpreso. Não que o livro seja maravilhoso ou algo que o valha. É apenas mediano, na minha humilde opinião. Tem problemas na estrutura do enredo, um plot fraco, que não se sustenta por tantas páginas, tornando-o por vezes enfadonho. Mas parece verdadeiro. É irônico, nada auto-indulgente, assustador em seu mergulho aparentemente autobiográfico e não se parece em nada com os primeiros livros do cara daqueles que disse ali em cima ter lido.

Nele, PC ousa ir na contramão de seus ensinamentos, para simplesmente expor, despojado de boas maneiras, seu cotidiano de celebridade, de escritor e de marido; numa trajetória que não apresenta respostas, somente insiste na busca. E que reflete uma profunda angústia no modo de ver a sociedade contemporânea, coisa que jamais deveria ser desconsiderada partindo de um homem que, hoje, já viajou o mundo através da literatura (em seus sentidos amplo e restrito, pessoal), é interlocutor de personalidades marcantes e - para dizer o mínimo - deve ter encontrado coisas, lugares e pessoas mais díspares que a maioria absoluta de seus compatriotas jamais sonhou encontrar.

Qual não foi minha surpresa ao ver a reação dos leitores de meu blog, então, quando ousei postar minha crítica ao livro, praticamente nestas palavras, e receber respostas das mais variadas, a maioria me mandando não perder mais tempo com este tipo de leitura ou sugerindo uma literatura melhor. Como se somente um estúpido pudesse ler Paulo Coelho.

No final do ano passado, deparei-me com A bruxa de Portobello em uma livraria da cidade e a despeito das críticas invariavelmente negativas que já havia lido, ousei mais uma vez ler Paulo Coelho. Mais uma vez me surpreendi.

Com a desculpa de contar (mais) uma história de bruxas, PC faz uma viagem profunda e altamente didática ao imaginário filosófico-religioso deste início de século, um pout-pourri da Nova Era, este caldeirão multiétnico e cultural que cada vez mais se apresenta como o serviço religioso pronta-entrega que é a cara dos nossos tempos. Como um dos principais “divulgadores” do “movimento” (o que ele nega), “guru” de milhões de pessoas interessadas no assunto ao redor do globo (isso ele não nega, só não admite), Coelho sabe do que fala. E expõe até menos do que sabe, sempre com um olho na pessoa comum. Questiona a si próprio, seus mentores e crias, até o paroxismo. A jornada da bruxa chega a ter conotações políticas inesperadas e sérias, ao mostrar o desencanto de Coelho com um mundo em que somos, cada vez mais, escravos da sociedade tecnológica, dos sistemas políticos, das próprias superstições e crenças, dos próprios projetos (nem sempre bem-sucedidos) de vida.

Paulo Coelho usa e abusa, no novo livro, de sua condição ímpar de antena de um mundo que o reverencia, para expor posições intelectuais marcantes e relevantes. Se em O zahir ele propunha “despir-nos de nossa história pessoal”, (em vez do já batido “viva sua lenda pessoal”) a bruxa de Portobello Road sugere que tudo pode ser tentado e tudo pode ser abandonado nossa liberdade suprema, como humanos, é a de poder reinventar-nos a nós mesmos constantemente na busca pela sobrevivência. Assim, PC segue sua busca incansável por respostas, mostrando que a fama, o sucesso e o reconhecimento (ou as críticas) não afetaram sua capacidade de síntese e análise.

Bem, você pode me considerar um estúpido por ler Paulo Coelho, mandar cartas à redação sugerindo que eu leia coisa melhor ou até mesmo não ter chegado até aqui. Mas se chegou, e leu, leia Paulo Coelho também. Ou coisa melhor. Mas não deixe o preconceito pseudo-elitista que contamina boa parte de nossa inteligência o impeça de conhecer o maior escritor brasileiro de todos os tempos (veja bem: eu disse o maior, não o melhor). Um homem rico merece o nosso respeito. Imite-o se for capaz.

(publicado no caderno ALMANAQUE do jornal "O Estado do Paraná" em 11 de fevereiro de 2007)

O Vencedor Está Só
Posted by Renato on Sep 10, '08 11:08 PM for everyone
E não é que Paulo Coelho chegou mais perto de acertar desta vez? – pergunto sem me preocupar com o sarcasmo com que meus leitores e o respeitável público costumam brindar qualquer texto elogioso ao maior escritor brasileiro vivo. E eu disse o maior, parafraseando meu último texto sobre ele, não o melhor.

Pelo menos assim a frase acima afasta de cara aqueles que já odeiam o escritor de antemão: depois da googlada você veio parar aqui sabendo o que encontrar.

Ou quase, pois antes que me venham com lições de falso moralismo intelectualizado, direi logo que sou louco pela obra de Tchekhov, fã absoluto de Fitzgerald, Poe e Auster, leitor voraz de Lobato, Montello, Clarice, Sergio Porto e Mirisola, a mesma criança que amará Tolkien, Lewis e Carrol por toda sua vida. Não me mandem “ler coisa melhor”, como da última vez. Eu sempre li porque gosto, não em busca de algo sem forma definida chamado “cultura”. Por isso amo também King, Lovecraft, Gaiman e Eisner. Pessoa e Coltrane com a mesma efusão, mas aí já digressiono até a música, nem tão longe do assunto, mas já na hora de parar.

Vamos ao livro. A despeito de sua escrita ter melhorado, PC persiste em alguns “cacoetes” antigos, como o tom quase professoral com que enumera, disseca, exxxplicita dados, fatos e boatos a respeito da vida dos poderosos do planeta (a tal “Superclasse”, citada por ele em todas as suas – inúmeras – entrevistas nas últimas semanas), a dificuldade em diferenciar o tom e o discurso de alguns dos personagens, a perda de ritmo e andamento ao misturar os dois problemas acima.

Desta escrita por vezes confusa, no entanto, brota um ser humano, certo e errado a um só tempo, tosco, erudito, carioca, cosmopolita, bruto e delicado, mau e bom, encerrando em si o germe da inquietude – cada vez mais cínico – e a semente de sonhos desfeitos (cada vez menos críveis).

Mas, ‘pera lá, sonhos desfeitos? E a tal “Lenda Pessoal”? E o Mago, o guru, cadê?

Pois é, “o marido da Cristina” - citado com desenvoltura pela senhoras do Leblon - cresceu e apareceu. Abriu os olhos e os ouvidos e deu, mais uma vez, sua cara à tapa, expondo-se muito mais pelas opiniões que pela forma. Até porque o formato não é novo, e como já dito, não foi executado à perfeição. Até porque PC é um escritor brasileiro – enquanto os americanos lutam para se livrar das regras do “essay” pelo resto da vida, a gente nunca chega a aprender. Até porque não tem onde aprender, exceto na tentativa e erro costumeira, um livro atrás do outro, que para isso que eles foram feitos (e que me desculpe o Carpinejar, mas estou velho para voltar à Universidade)

Travestido de thriller, por exemplo, o romance demora a engrenar no aspecto “cinematográfico”, que é o que poderíamos esperar de um best seller. As idas e vindas do roteiro são um pouco confusas, e a opinião onipresente do autor mal ajambrada na forma de pensamentos das personagens sempre a invadir o raciocínio sem muita diferenciação. De um determinado ponto em diante, porém, a coisa deslancha e já sabemos quem é quem, antecipamos movimentos com alguma previsibilidade, torcemos para que o inevitável não aconteça. Mergulhamos fundo no universo - malévolo porque amoral - do protagonista e saímos da viagem maltratados, nocauteados porque, afinal, a verdade que se espreme de tanta informação tem gosto amargo.

O desfecho é exatamente o que eu imaginei, mas nem por isso pode ser considerado previsível. Pelo contrário! É a grandiosidade de construção da cena final que garante ao romance qualidade, closure, sentido.

Como retrato de uma época – pretensão tratada como objetivo pelo autor logo no prefácio, onde diz “Quando resolvi fotografar minha época, escrevi este livro” – o livro atinge seu objetivo ao mostrar um painel vasto e bem fundamentado da atividade humana nas altas esferas. Como veículo para exposição de idéias, o romance se sustenta por ofertar um único ponto de vista, mal-distribuído entre as personagens, mas nem por isso menos relevante: o (ponto de vista) do autor, espectador privilegiado da Superclasse que (ao menos aparentemente), não perdeu o olho crítico que o fez eleger como musa, na juventude, sociedade mais “alternativa”. Como peça de ficção, o acerto na descrição do protagonista e seus procedimentos faz esquecer facilmente a fragilidade de composição das outras personagens, que – vistas com olhos mais benevolentes – poderia ser tida até como “intencional”. Em sentido exclusivamente literatos, PC se afasta a passos largos da literatura mística, quase de auto-ajuda, que o revelou, aproximando-se de maneira oblíqua de certa linhagem semi-confessional da moderna literatura, comum neste início de século. Mas o faz quase sem querer, porque não adestrou ainda a verve a ponto de escrever “somente um thriller”, ou mais uma “história de amor”.

Talvez por isso mesmo continue a ser (muito) lido, pela saudade que todos temos de uma Voz. A dele continua a falar.



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