sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sobra a Arte do Convívio - Reflexos da Série House MD
Posted by Renato on Sep 30, '08 10:19 PM for everyone
O momento síntese da quarta temporada de “House MD” é aquele em que o Dr. Kutner relembra que o conceito popularizado como “a curva de Gauss” permite admitir como normal uma infinidade de observações, e define como distribuição anormal (“fora-da-curva”) os valores aquém e além de um determinado ponto em relação à média. Mais ou menos dois desvios-padrão é, então, somente uma abstração arbitrária em um universo de possibilidades matemáticas. E se isto poderia definir como “doente” o tal “Mr. Nice Guy” – um paciente cujo principal sintoma é a aceitação resignada de qualquer evento da vida, bom ou mal, de forma absurdamente gentil – poderia também definir House como tal por seu temperamento diametralmente oposto. Longe de julgá-lo, o discípulo age na total certeza de que irá curá-lo de sua rabugice, sem entender que fora vítima de mais um estratagema do Dr. Gregory House - o Pedro Bial do inferno.

Verdadeiro “Big Brother” cínico, a temporada brinca com o formato “reality-show” adotado em seus primeiros episódios (escritos antes da greve dos roteiristas), com clichês das séries de televisão (com direito a uso de metalinguagem), metáforas sherlockianas e toda sorte de citações pop.

Mas a série brinca principalmente com as emoções de todas as personagens. Foreman primeiro, mas na seqüência também Chase, Cameron e o próprio Wilson bailam em torno da figura de House como se incapazes de não se renderem a seu fascínio, com conseqüências que variam entre a aceitação do inevitável (Foreman e Chase), a curiosidade sexual (Cameron) e a busca pela individualidade (Wilson). Desta forma redesenham suas dimensões trágicas e – ao lado da “nova geração” – injetam novas nuances à dinâmica da história.

Os “novos” são “mais do mesmo”; nem por isso insignificantes em seus contextos e atribuições. Como a Dra. Allisson Cameron bem sacou em um dos últimos episódios, a Dra. Remy Hadley (chamada de “Treze” por House - seu número na primeira eliminatória) é colírio para os olhos do chefe: cargo que um dia foi seu. “Peça... e eu mando a ‘Treze’ embora agora”, diz H. com sua imensa cara de pau, mais preocupado em expor as fragilidades de ambas as moças para seu próprio deleite. Lawrence Kutner é o sucessor improvável, se controlar a insegurança e a língua, mas – como Foreman – é humilhado on a daily basis justamente por isto. Chris Taub, o cirurgião plástico, é a voz da razão e o advogado do diabo em quase todas as ocasiões difíceis. Lembra-me muito um colega meu, altamente cético e desconfiado: nunca vi um médico duvidar tão bem de si mesmo, de tudo e de todos. Por isso mesmo era alguém – como Taub - im-pres-cin-dí-vel na prática clínica diária. Todos são, contudo e em suas essência, apenas massa de manobra com a qual o chefe pode exercitar seus maquiavélicos movimentos de guerra psicológica.

Lisa Cuddy, a diretora – cada vez mais bonita e fa-tal, com direito a striptease e tudo! – é a única que percebe a essência da dominação de House, ao admitir que o “deixa solto a ano todo, fingindo não ver o que ele faz; só lhe pede para se comportar durante a visita do auditor” ou perceber que caiu direitinho no “conto das escolhas de equipe” (que só visava a permanência de Treze) Cuddy é a única a mostrar-se à altura intelectual das maquinações do cara - talvez por isso mesmo esteja elevada à condição de bola da vez já na quinta temporada, onde ela e o Greg devem – finalmente – matar a tesão reprimida por tantos e tantos episódios.

Já Amber - a preterida, Amber - a namoradinha do Wilson, Amber - a cadela (em tradução livre para “the bitch”): foi a surpresa da estação. Primeiro pela chatice - magistralmente interpretada e clichê das jovens executivas americanas modernas – depois pela lenta transformação em antagonista sedutora. E finalmente por seu desfecho, totalmente inesperado, porém bastante crível e bem urdido. A morte muda tudo, diria House na premiere da quinta temporada – mas quase morrer não significa nada, expressando toda sua perplexidade ao encontrar um adversário à altura. Cuddy? Não, ela joga no mesmo time. Amber? Não! – e olha que ela tentou com bastante força. A vida. Esta sim, uma cadela, esta sim, desconcertante, esta sim incrivelmente sem sentido ou razão, por isso mesmo imune aos esforços do próprio Gregory House em se debater.

Sempre em busca de resposta aos conflitos do homem contemporâneo, “House MD” firma-se como um oásis de inteligência na tevê, um instant classic em construção, obra aberta também às nossas interpretações, que se estendem ao terminar o show, como velhos casos clínicos aos quais sempre se volta em busca de alguma iluminação.

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