sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A vida (não) imita a webMay 4, '07 11:37 PM
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Sabe aqueles dias em que entrar na rede transforma-se em uma imensa e intransponível dificuldade?

Sabe quando a conexão (que supostamente era para ser em banda larga, mas tá mais para uma... bem, deixa prá lá) teima em cair? Reseta-se o modem, o roteador, o escambal e nada?
Reinicia-se o próprio computador e ainda assim, passados alguns looongos momentos, você pensa que ligar para os (ir)responsáveis por esta m*** não vale a pena, melhor esquecer, ir dormir e voltar amanhã?

Sabe quando você teimou em fazer aquilo que qualquer otário sabe que é burrice, tipo escrever aqui mesmo no multiplício, e não no word ou no bloco de notas onde é mais seguro, e quando vê alguma coisa acontece e vcê perde tudo (bem, pelo menos era o que acontecia antes de eu usar o Firefox)...

Hoje a vida não 'tá muito diferente.

Sabe aqueles dias em que, se você apenas soubesse de tudo o que iria ter que passar, vcê nem levantaria da cama?

Uma lástima que a vida não tenha reset, reiniciar ou algo que o valha. Que a gente não possa deixar para amanhã. Ou simplesmente apagar tudo e começar de novo, como este desabafo idiota que eu acabo de escrever e que terá vida curta, com certeza - logo, logo o apagarei.

Que sirva pelo menos para os amigos entenderem o sumiço temporário do escriba.


Blog EntryO adeus de RubinhoApr 30, '07 5:00 PM
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A "Cadeira no Penhasco" se enlutece pela perda do inestimável amigo, o colunista social Rubens Tuma Jr., alma narradora da cidade de Ponta Grossa.
Você encontra o endereço do site do Rubens na seção LINKAGE.

Blog EntryErna und AlfredApr 15, '07 1:10 PM
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Toque mais um pouco, meu filho”, dizia o pequeno grande homem, sentado a meu lado no banco de praça instalado no jardim. Um pouco surpreso com seu interesse, eu atendi seu pedido com prazer, esgotando rapidamente o escasso repertório de violão clássico aprendido até então.

Tocaria ainda algumas vezes para meu bisavô, porém nunca mais no belo recanto que ele criara em honra da esposa, gravemente doente e restrita ao leito. Ali seu espírito de espírito de artesão e inventor tivera um último lampejo, quando com mais de oitenta anos resolvera por abaixo o galinheiro e parte do pomar para presentear minha bisavó com um lugarzinho para tomar sol.

Logo o pedaço de terra, espremido entre a casa e a indústria que capitaneara por tantas décadas, mostraria o que só ele, quase cego, conseguira entrever: um espaço nada tímido de grama, flores e luz – arrematado pelo tal banco de praça para os dois namorarem, é claro.

Hannah, a enfermeira, descia com a Omama no colo, esperando nem sempre em vão por um momento de sua lucidez. Sentados ali, Alfred e Erna Kindler se entendiam através de longos silêncios, interrompidos apenas pelo canto dos passarinhos que os vinham saudar.

Como está frio lá fora”, dizia o Opapa agora na cozinha, em “seu” lugar à janela, onde tocava o vidro displicentemente, disfarçando a debilidade da visão.

Ele é tão respeitoso”, dizia Erna baixinho, referindo-se ao “senhor que dorme no meu quarto todas as noites”. “Ele só me faz um carinho na mão e fica lá, ao meu lado, não incomoda nadinha”.

Foram sempre água e vinho, aqueles dois. Bem, pelo menos é o que se conta a respeito. Alfred gostava de praia: construiu uma casa em Caiobá onde ela nunca botou os pés. Já Erna gostava do campo: adorava visitar a chácara da filha mais velha em Ponta Grossa. O boliche dele nas quintas-feiras à noite era sagrado, mas ela nunca foi lá muito fã de noitadas – preferia a família reunida, a casa cheia e os grossos cobertores de pena-de-ganso em uso. Mas eram ambos muito hábeis com as mãos. As compotas e conservas feitas pela Omama duraram mais que a doença ou ela própria, sendo abertas intactas anos depois e encontradas como se tivessem sido feitas ‘inda ontem. E das indústrias Kindler e Cia., desde os anos trinta funcionando na Rua Senador Xavier da Silva, pertinho da fábrica dos irmãos Mueller, saíram torneiras, chuveiros, bombas de encher bolas e pneus de bicicleta, bem como todo tipo imaginável de artefatos de metal, até instrumentos cirúrgicos quando estes eram caríssimos e raros de se encontrar.

As filhas e genros se revezariam em cuidados extremados para com ambos, quando a idade e a velhice assim o determinaram – por mais que Alfred jamais admitisse precisar de cuidado algum. Dirigira a velha Kombi bege por anos sem que ninguém soubesse que só lhe restara um quarto da visão de um olho. Mais tarde, já praticamente cego, empertigava-se todo quando alguém sugeria que este bisneto primogênito já lhe ultrapassava a altura. “Nein, nein, ainda não...

Não se dobrou sequer à morte da esposa, certa madrugada em 1983. Avisado pela doce e firme Hannah – e contra o conselho desta – esperou o dia amanhecer ao lado dela, segurando sua mão pela derradeira vez. Suportou o féretro em pé, consolando mais do que era consolado, até desabar emocionado no carro do filho. Apesar da saúde de ferro, viria a falecer uns meros seis meses depois.

O interessante é que em minha cabecinha de criança, tudo isso era normal, apenas uma parte boa e feliz da vida familiar. Só a idade, e o tempo, despertariam a consciência de ter presenciado um milagre. Os Natais e as páscoas na imensa casa de meus bisavós, o gosto da comida da Omama, os passeios pela fábrica que o tato do Opapa conhecia de cor, as longas conversas na sala de estar, o colo de ancestrais que tão poucos de nós logram conhecer...

De tudo isso, contudo, algo jamais escapou ao meu entendimento, por mais criança que o fosse: o exemplo de um amor que nunca precisou se preocupar em “dar” exemplo – estava sempre lá, simples e direto como um perfume que preenche invisível um cômodo, uma casa, nossas vidas. Verdadeiro milagre, neste mundo carente de um.


Blog EntryO Poder de Uma PalavraMar 26, '07 4:49 PM
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É imenso o poder das palavras, especialmente quando proferidas por pessoas que têm nas mãos o privilégio de serem ouvidas. Por isso quase toda revista ou jornal costuma ter uma página de citações, frases da semana ou do mês, costumeiramente bem situada – e muito lida. É da natureza humana a curiosidade em saber o que pensam seus semelhantes, especialmente aqueles – citados na primeira frase – que atingiram na vida a importante condição de “formadores de opinião”.

Por isso a relevância da presente discussão sobre o termo usado por Vossa Santidade, o Papa Bento XVI, a respeito do segundo casamento de católicos romanos.

Confesso que não havia lido a Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis”, que versa sobre a Sagrada Eucaristia, verdadeiro pilar da doutrina católica. Acostumei-me ao longo dos anos com a imensa sabedoria e caridade expressos pelo Papa João Paulo II em seus escritos, que a despeito de suas posições firmes na defesa da fé e dos dogmas católicos, traziam no bojo a marca do diálogo e a necessidade perene do cristão (re) pensar um mundo em constante e acelerada mutação. Confesso porém que, não por desrespeito às idéias do (ex) Cardeal Ratzinger, mas por um puro sentimento de orfandade que me acometeu com a morte de seu antecessor, ainda não havia voltado a freqüentar o site do Vaticano (onde há mais de dez anos se encontra um arquivo completíssimo e extremamente útil a aqueles interessados o que pensam e escrevem os papas). Escaldado da forma com que muitas vezes a (má) imprensa extrai citações fora de contexto, senti-me na obrigação de tentar explorar o assunto.

Na tradução em português exposta na própria página do Vaticano se lê: “ (...) é mais que justificada a atenção pastoral que o Sínodo reservou às dolorosas situações em que se encontram não poucos fiéis que, depois de ter celebrado o sacramento do Matrimônio, se divorciaram e contraíram novas núpcias. Trata-se dum problema pastoral espinhoso e complexo, uma verdadeira praga do ambiente social contemporâneo que vai progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos.” Sublinhada por mim, a tal palavra que tanta controvérsia tem rendido. Assim mesmo, como está citada em seu contexto mínimo, para que não haja dúvida do propósito de seu uso.

Ainda insatisfeito, procurei ler duas versões que poderiam refletir melhor o texto original – em latim e italiano – para ver se não havia um alegado “erro” de tradução; afinal, há quem tenha se levantado em defesa do Sumo Pontífice dizendo que não tinha sido esta a palavra utilizada. Pois bem: em latim – idioma oficial da Santa Sé – o termo empregado é “plaga”, melhor entendido como “chaga’ ou “ferida”. Entretanto, como bem salientaram alguns blogueiros brasileiros ao longo desta semana, as traduções oficiais do texto - de responsabilidade da própria Igreja – escolheram “praga”, “piaga” (italiano), “plague” (inglês) e outros termos como sinônimos internacionais. Fui ao pai-dos-burros e chequei. Realmente, de acordo com o Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa, “praga” é “doença contagiosa que ataca muitas plantas ao mesmo tempo”, ou ainda “planta daninha”, definições que se encaixam como uma luva a um texto que não permite outras interpretações.

Está na Bíblia que o próprio Cristo disse, em outro sentido, que “o mal é o que sai da boca do homem”. Por isso me uno ao coro dos descontentes com a palavra papal. Por considerar-me católico, choca-me a crueza da intenção excludente do texto. Não que haja ali, em meio às reafirmações filosóficas e dogmáticas da natureza mística da Sagrada Eucaristia, qualquer novidade: a Igreja sempre foi e será avessa ao divórcio e às segundas núpcias. A Igreja sempre impediu a Comunhão aos divorciados não-celibatários. O que surpreende, agora, é a forma pouco caridosa com que se elimina, de um tapa, grande parcela da massa de fiéis católicos. O que me surpreende, e isso não é de hoje, é que a mesma Igreja que distribui o sacramento do matrimônio de maneira frouxa entre fiéis e outros nem tanto, que vem apoiando, descentralizando e agilizando processos de nulidade matrimonial como alternativa ao divórcio, saia agora em defesa deste mesmo sacramento conceituando de maneira agressiva uma realidade da sociedade atual.

Casar-se novamente, seja pelos meios legais ou da convivência respeitosa, é mais que alternativa de vida para muitos de nós: é conseqüência natural de uma sociedade dinâmica, que pôs abaixo antigos preconceitos de forma a defender direitos iguais a todos os cidadãos.

Não cabe aqui se fazer o proselitismo do que já é realidade civil e penal. Também não se trata de discutir se a Igreja pode ou não tomar atitudes que só dizem respeito a Ela e a seus fiéis. É católico quem quer, submete-se a este tipo de bula quem assim o desejar. Cabe, no entanto, dar-se razão a quem – importando-se ainda com o que o Papa diz – lamenta, mais que o retrocesso filosófico, a indelicadeza da agressão.

Quem sabe que será ouvido deveria medir suas palavras.


Blog EntryParaná 92Mar 11, '07 7:26 PM
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Meu domingo sonolento se encanta do Paraná

& das coisas que em suas terras acontecem

& e do que deixei aqui há quinze anos atrás.

Curitiba onde as pessoas deixavam o carro em casa e iam ao centro de ônibus, porque era mais rápido e barato. Podia-se atravessar a Rua das Flores a pé, na madrugada, com segurança. Depois do fervo, o verde do Passaúna, mirante dos nascentes. De manhã o Museu de Arte Sacra, no Largo da Ordem, onde repousa o velho altar da primeira Matriz. Trajes antigos do clero, pirogues e todas as comidas imagináveis (da pamonha aos tacos, veggies nos restaurantes do casario, sanduíches e sopas e japas), clowns e artistas plásticos, poetas debaixo da poesia de Leminski, louça, prataria, antiguidades em geral; hippies e moderninhos, senhoras, senhores, crianças e a moçarada cantando chorinho com os avós, tudo em uma só manhã. À tarde um lanchinho na choperia ou nos cafés que se espremem no fundo das galerias e seus cinemas, no Centro velho, pedestre, civilizado, onde se passeia com tranqüilidade. Volta a noite e os lugares enfumaçados de gelo seco e cigarro, dançar escondido do fog e do frio onde habitava uma alma cinzenta pronta para te tragar para dentro de si mesma e te fazer esquecer do sol. Mesmo porque o dito cujo não aparece, languidamente ensimesmado atrás das nuvens.

Conhaque flambado, blue curaçao-vodca, martini, tônica e limão no OVNI, whiskey com suco de laranja e licor de amêndoas na Hell.

Havia em Curitiba, naquela época, tal profusão de artistas que era óbvio que se estabeleceria uma comunhão bastante ampla com o público. Teatro participativo, escolas de circo, recitais, palestras e aulas práticas de música, cinemas de arte e salas de espetáculo em profusão. Bares de jazz, de blues, de reggae, cordialidade entre as tribos, lugares GLS antes mesmo da sigla ter sido inventada. E as meninas junto, sem caô, jogando pebolim no Circus Bar. Freqüentavam-se lojinhas da moda, passeava-se no centro e encontrava-se as mesmas pessoas depois, no restaurante ou na boate. Convivendo nos mesmos lugares, acabávamos por conhecer “todo mundo”.

Duas histórias do Poe me arrepiaram os cabelos. A primeira para pouco mais ou menos de vinte pessoas, num castelinho que viria a ser demolido. Jantamos com os atores, entre fartas doses de vinho, seguimos os desenrolar dos acontecimentos até a Biblioteca, aos quartos estranhos e corredores escuros da loucura. A segunda, “A Máscara da Morte Rubra” no sótão do Teatro da Fábrica, uma noite de delírios narrativos, sete colunas para sete salões.

Os cines Luz, Ritz e Groff ensinando cinema de graça prá gente. A Tabalipa no Museu Alfredo Andersen. O show do Hermeto no Paiol terminando com o bumbo na praça. A Cássia Eller no AeroAnta. O X-Picanha no Waldo.

Subir a Serra para Ponta Grossa, descê-la para Paranaguá. Pela estrada nova é rápido e seguro, pela Graciosa o nome diz. Morretes o pedacinho de trópico do pequeno litoral de apenas cento e oitenta quilômetros, fincada no cheiro do barreado, da pinga de banana, peixe e farinha. Antonina e Guaraqueçaba sempre nas paredes da casa, pelo pincel de Jacobus van Wilpe ou Kurt Boiger. No segundo planalto, vales, rios, capões de mato entre as colinas, onde corre a água em seus veios, demarcando os lotes, os municípios e os corações. “Sempre a água”, dizia meu avô, “mãe da vida.” As cachoeiras dos Campos Geraes, que Saint-Hilaire considerava o repouso do mundo. O drama da Fazenda Fortaleza, onde o bisavô de meu amigo viu a esposa servir os dentes imaculados e elogiados da escrava que o marido ousara elogiar e, ato contínuo, acorrentou-a no porão. Os grossos volumes da “História” do Professor Davi Carneiro expostos na Biblioteca Bruno e Maria Eney.

Um pouco antes de ir embora, o adeus dos amigos escamoteia o sono e o coração aperta. Sei que voltarei outro, só não sei quando. Sei que sentirei falta, só não sei quanto. Acordo e estou novamente aqui, não sei como, nem sei porquê. Da janela vejo um pinheiro que me conforta, no vizinho um eucalipto, na viagem passo por Carambeí. Acordo com os sabiás e aguardo o frio com ansiedade, que é para poder pensar melhor.


(artigo publicado no caderno Almanaque do jornal O Estado do Paraná em 11 de março de 2007)

Blog EntryVisitante IncomumFeb 25, '07 1:04 AM
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“Oi, primo”, cumprimentou-me a bela garota na saída da aula de inglês, tantos anos atrás. Parece que foi ontem, poderia ter sido hoje.

É estranho como as lembranças se assemelham mais ao DVD que ao VHS, não? No último a busca por uma cena é demorada, nos leva a avançar lentamente num “fast-forward” do inferno (que de “fast’ não tem nada), obrigando-nos a passar em revista tantas outras cenas indesejáveis. Já na mídia digital, uma boa distribuição em capítulos deixa tudo à mão, ao toque de um dedo ou do mouse. Como agora, quando seleciono esta lembrança no meio de tantas.

Eu soube instantaneamente que ela havia mudado, e muito, só não sabia por quê. Crescêramos juntos, pelo menos depois que a amizade dela por minha irmã passou a trazê-la para nossa casa todo verão. Brigáramos muito, também, como primos e primas sabem fazer. Sua meninice – e de minha irmã – era por vezes irritante para o jovenzinho imberbe que já pensava em baladas e mulheres (ou, que vá, garotinhas é mais exato, mas então não o sabia) e tinha que cumprir seu cronograma de “babá” das duas mais novas.

Por puro acaso passáramos um tempo sem nos encontrar, alguns meses, um ano, talvez, e agora ela me aparecia no final da aula com aquele jeito diferente, bonita em seu modelinho “calça jeans-camisa branca-lenço no pescoço” tão comum aos anos oitenta.

“E aí, qué que ‘cê ‘tá fazendo aqui?”

“Vim te ver. Tua irmã me disse que você estudava aqui, eu sabia os dias e resolvi arriscar...”

“Que bom... E o que é que você manda?”

Conversamos muito, saindo dali e indo para algum lugar que, por mais que tente, não consigo recordar. Um café, uma confeitaria talvez, não sei. Lá onde eu não sei, contou-me que tinha saído de casa, mudara-se da casa da mãe para a casa do pai, estava muito mais feliz, tinha mais liberdade, planejava fazer um curso técnico no CEFET, viajar, conhecer gente nova... E estava linda, absolutamente cheia de vida, deslumbrante ao carregar consigo – e partilhar – seus novos sonhos. Despedimo-nos com doçura, prometemos nos encontrar de novo e os anos seguintes nos tornaram mais que amigos, irmãos.

Logo estaríamos partilhando as noites insones do final de minha faculdade, quando saíamos ela, minha namorada e eu. Ríamos do sucesso que a prima fazia entre meus amigos, das cantadas baratas, inocentes e risíveis; dos rolos sérios, das festas em casa ou nos bares, da paixão que tinha por nosso primo em comum. Minha prima era um doce, e nos apaixonávamos todos por ela, por sua alegria, por sua vivacidade, por sua inteligência.

Acho que a última vez que nos encontramos foi no trote de minha irmã, que acabara de passar no vestibular. Encontramos com ela na rodoviária - minha namorada e eu, ela com o pai e a madrasta – e pude dizer ao velho o quanto o admirava por fazer sua filha feliz como eu antes nunca havia visto. As fotos de tinta e farinha, ovos respingados e muita confusão não mentem: foi uma noite memorável.

Naquela época ninguém tinha celular, ou quase ninguém, uma vez que os “tijorolas” eram caríssimos e difíceis de encontrar. Acho que aquele foi, inclusive, o ano em que vi pela primeira vez um celular. Por isso quando as pessoas no hospital começaram a me dizer que minha mãe havia ligado, fiquei preocupado. Coisa boa não podia ser - e não era: minha prima sofrera morte estúpida, atropelada na esquina de casa por um vizinho. Como? Morreu? Tem certeza? Não pode ser...

Partilhamos uma dor inédita e profunda, mais profunda que qualquer coisa que eu tenha sentido antes. Não agüentava olhar para ela – não podia ser ele, ali - olhar para os primos, para o resto da família reunida no cemitério, olhar para mim mesmo. “É tão estranho, os bons morrem jovens”, cantaria a Legião Urbana uns anos depois, e eu poderia entender minha perplexidade.

Acordava todos os dias e pensava primeiro nela, como uma pontada ou um raio que me pegasse de jeito logo ao amanhecer: minha prima está morta. Ao longo do dia eu esqueceria, envolvido em meus afazeres, e à noite dormiria o sono dos justos – como só os médicos têm. Mas durante meses, meu primeiro pensamento era para ela: inconsciente, não-planejado, até repelido. Mas era.

Um dia nos encontramos de novo, em um sonho. Nele ela estava tão ou mais bonita que naquele outro dia, na porta do cursinho de inglês. Íamos conversando pela rua, trocando idéias e sorrisos como se tivéssemos nos visto ‘inda ontem, reiniciando a conversa a partir de uma vírgula, ironizando um ao outro com delicadeza e alegria.

Eu disse:

“Sabe, eu queria muito lhe dizer uma coisa...”

“É?”

“Uma coisa que eu nunca disse, por mais que eu o sentisse de verdade... Eu amo você, minha priminha, como se fosse uma irmã...”

Foi então que, com o sorriso mais lindo do mundo nos lábios, ela virou-se para mim e retrucou:

“Eu também, primo! Não é uma pena que você nunca tenha dito isso para mim enquanto eu estava viva?”

Acordei e chorei muito, enquanto a manhã nascia sobre a Água Verde. Lá do alto do prédio, em meu quarto, a cidade se espreguiçava sob os primeiros raios de sol e eu não sentia medo nenhum, apenas alegria e saudade. Sabia que fora real. Depois deste dia, nunca mais sonhei com ela, nunca mais aquele choque de acordar lembrando, primeira coisa logo ao amanhecer, que ela havia morrido. Apenas alegria. E saudade.

(para Dândi)




(conto publicado no caderno "Almanaque" do jornal "O Estado do Paraná" em 25 de fevereiro de 2007)


Blog EntrySALVE, JORGEFeb 14, '07 12:39 PM
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Sempre que tomo um banho demorado, o samba me vem à cabeça. Um sambinha gingado, com a sincopada bem sutil das valsinhas dos anos vinte, um tanto marcha, um tanto maxixe.

Já inventei várias letras para ele. No começo ia mais ou menos assim: “laia-lá-lalalaia-lalaialalaiada-la/lalaialaiá”, depois foi ganhando palavras esparsas, cópias baratas de letra de samba-enredo, ecos do Premê lá de São Paulo e outras mandingas e macumbas. Onipresente, São Jorge.

Pensei primeiro em contar uma história de Jorge, um menino que nem imaginava o que o futuro lhe traria, moleque travesso da Capadócia. Inventei uma viagem bacana para o rapaz, marinheiro, pisar em terras inglesas – de longe, a nação que mais lhe tem devoção. Não consegui imaginá-lo nas Cruzadas, por mais que se diga que ele esteve por lá. Apesar de que seria a cara dele, imagina não conhecer a Terra Santa!

Mas admito a história do Dragão. Como São Miguel Arcanjo, Jorge derrotou o monstro da maldade, imensamente maior que o dragão mitológico, ao dar a vida em defesa de seus irmãos. O próprio Cristo o disse: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15,13) Ao descrever a suprema coragem de Jorge, que ousa enfrentar o poderio do Imperador Romano Diocleciano (que por força de lei obrigava todos a fazer sacrifícios em honra de Apolo e outros deuses), as lendas refletem a essência da mensagem cristã para a vida terrena: a identificação visível e indissociável entre o cristão e suas atitudes públicas e políticas. E se Cristo morreu por nossos pecados, após inúmeros e indizíveis sofrimentos, este jovem Jorge, no longínquo século IV, foi, a se crer por relatos bem mais tardios, talvez o ser humano mais torturado da História. Por isso, ao notarmos a semelhança hagiográfica entre as representações de São Jorge e São Miguel Arcanjo poderemos entender que, ao colocar sua fé em ambos no mesmíssimo patamar, o povo cristão lhe presta homenagem em um sentido maior que o meramente mitológico.

Tribuno Militar e membro do Conselho Militar do Império Romano com a idade de 23 anos, vindo de uma família com história no Exército, Jorge fora educado como cristão. Após o falecimento de sua mãe, de posse da herança que lhe cabia, distribuiu-a aos pobres e manteve apenas o necessário para chegar a Roma, onde o Imperador conclamava reunião de urgência no Senado para legitimar a perseguição e o assassínio dos cristãos. Entrando lá, enfrentou a todos com a palavra, debatendo de igual para igual com os filósofos e mercadores, os políticos e o Imperador. Inúmeras vezes obrigado a abjurar sua fé, inúmeras vezes manteve sua palavra. Foi lancetado, amarrado com uma imensa pedra sobre o peito, andou sobre chinelas ardentes, foi colocado sob uma roda que o esmagou sobre dezenas de lanças, terminou metido em uma fornalha de cal virgem – e ainda vivo depois de muitos dias. Morreu bendizendo o Senhor, cantando suas maravilhas e reafirmando sua dignidade humana. Não se deixou escravizar.

Libertado pelo próprio Cristo em uma nuvem de fumaça, o corpo de Jorge desapareceu, sendo encontrado incorrupto semanas depois, em posição beatífica, com um belo sorriso nos lábios. Que homem perigoso. Que fé imensa! Tudo em nome de Jesus Cristo, Nosso Senhor, mas que história perigosa em mentes mais ingênuas!

A Igreja diz que faltam documentos que comprovem a existência de Jorge como cidadão romano, mas não me lembro de ter visto ou sabido da existência da certidão de nascimento da maioria dos Santos mais antigos. Diz que a história tem elementos fantásticos, como o Dragão. Que se teria ouvido falar de um Tribuno Jorge no reinado de Deocleciano, e não há registros oficiais. Que há inúmeras versões da história, o que seria um indício de sua falta de veracidade, etc, etc. Parece que não aprenderam nada com o “1984 e a KGB.

Eu por mim tenho esperado o sambinha “baixar”. E olha que sou católico, é raro acreditar no sobrenatural; mas cada pouquinho que vem é uma forma de oração, como diria o poeta. Um dia acabá-lo-ei, um dia vocês ainda o ouvirão por aí – minha declaração de amor a este santo menino e guerreiro, valei-me meu São Jorge, salve, Jorge.


Blog EntryPara ler Paulo CoelhoFeb 11, '07 10:22 AM
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Nunca fui fã de Paulo Coelho, apesar de admirar sua figura pública (através das poucas e brilhantes entrevistas que dele assisti) e sua trajetória ímpar nas letras brasileiras. Falar de Paulo Coelho no Brasil, porém, parece (ainda) um tabu. Lê-lo, então, se você não for aquele típico leitor de “best-sel -lers” ou livros de auto-ajuda, pode ser considerado por muitos um pecado mortal.

Que qualquer um acaba cometendo, obviamente. Seus “maktub” estiveram lá, nos jornais, por mais tempo que podemos lembrar. Sua coluna dominical n’O Globo (e aqui no Almanaque, entre outros jornais), idem. Você acaba sendo atraído por uma palavra ou outra, pára em uma frase e quando vê, leu tudo.

Não que eu não tenha lido seus livros. Diário de um mago, O alquimista, As valquírias... Coisas do início de carreira se é que se pode chamar assim sua estréia estrondosamente cheia de sucesso. É claro que os li, leio de tudo. E gostei, como quem gosta de um bom filme hollywoodiano, como quem já conhece as histórias. Afinal, de Carlos Castañeda eu um dia fora realmente fã, lera as aventuras do feiticeiro Dom Juan na saída da adolescência e para mim, o que PC fazia em seus primeiros livros era apenas mais do mesmo: Castañeda requentado, em linguagem popular e direta, em meio a um amontoado de clichês sincretistas. Mais tarde li À margem do Rio Piedra... e entendi que a busca pelo transcendente havia pego o escritor de jeito, tinha-o feito se aproximar de tradições católicas e coisa e tal. Respeitei sua busca e vi que havia ali algo de verdade. Depois não li mais nada.

Com o tempo, aquele papo de guerreiros da luz pareceu-me incompatível com as minhas próprias buscas. Veio o Marcelo Mirisola, com seu humor ácido e cortante, dizer em uma entrevista na TV que “quem anda de lotação todo dia não tem lenda pessoal, pensar nessas coisas é pra desocupado”, etc, etc e eu ri, ri muito.

Há coisa de um ano atrás, andei às voltas com O zahir e fiquei absolutamente surpreso. Não que o livro seja maravilhoso ou algo que o valha. É apenas mediano, na minha humilde opinião. Tem problemas na estrutura do enredo, um plot fraco, que não se sustenta por tantas páginas, tornando-o por vezes enfadonho. Mas parece verdadeiro. É irônico, nada auto-indulgente, assustador em seu mergulho aparentemente autobiográfico e não se parece em nada com os primeiros livros do cara daqueles que disse ali em cima ter lido.

Nele, PC ousa ir na contramão de seus ensinamentos, para simplesmente expor, despojado de boas maneiras, seu cotidiano de celebridade, de escritor e de marido; numa trajetória que não apresenta respostas, somente insiste na busca. E que reflete uma profunda angústia no modo de ver a sociedade contemporânea, coisa que jamais deveria ser desconsiderada partindo de um homem que, hoje, já viajou o mundo através da literatura (em seus sentidos amplo e restrito, pessoal), é interlocutor de personalidades marcantes e - para dizer o mínimo - deve ter encontrado coisas, lugares e pessoas mais díspares que a maioria absoluta de seus compatriotas jamais sonhou encontrar.

Qual não foi minha surpresa ao ver a reação dos leitores de meu blog, então, quando ousei postar minha crítica ao livro, praticamente nestas palavras, e receber respostas das mais variadas, a maioria me mandando não perder mais tempo com este tipo de leitura ou sugerindo uma literatura melhor. Como se somente um estúpido pudesse ler Paulo Coelho.

No final do ano passado, deparei-me com A bruxa de Portobello em uma livraria da cidade e a despeito das críticas invariavelmente negativas que já havia lido, ousei mais uma vez ler Paulo Coelho. Mais uma vez me surpreendi.

Com a desculpa de contar (mais) uma história de bruxas, PC faz uma viagem profunda e altamente didática ao imaginário filosófico-religioso deste início de século, um pout-pourri da Nova Era, este caldeirão multiétnico e cultural que cada vez mais se apresenta como o serviço religioso pronta-entrega que é a cara dos nossos tempos. Como um dos principais “divulgadores” do “movimento” (o que ele nega), “guru” de milhões de pessoas interessadas no assunto ao redor do globo (isso ele não nega, só não admite), Coelho sabe do que fala. E expõe até menos do que sabe, sempre com um olho na pessoa comum. Questiona a si próprio, seus mentores e crias, até o paroxismo. A jornada da bruxa chega a ter conotações políticas inesperadas e sérias, ao mostrar o desencanto de Coelho com um mundo em que somos, cada vez mais, escravos da sociedade tecnológica, dos sistemas políticos, das próprias superstições e crenças, dos próprios projetos (nem sempre bem-sucedidos) de vida.

Paulo Coelho usa e abusa, no novo livro, de sua condição ímpar de antena de um mundo que o reverencia, para expor posições intelectuais marcantes e relevantes. Se em O zahir ele propunha “despir-nos de nossa história pessoal”, (em vez do já batido “viva sua lenda pessoal”) a bruxa de Portobello Road sugere que tudo pode ser tentado e tudo pode ser abandonado nossa liberdade suprema, como humanos, é a de poder reinventar-nos a nós mesmos constantemente na busca pela sobrevivência. Assim, PC segue sua busca incansável por respostas, mostrando que a fama, o sucesso e o reconhecimento (ou as críticas) não afetaram sua capacidade de síntese e análise.

Bem, você pode me considerar um estúpido por ler Paulo Coelho, mandar cartas à redação sugerindo que eu leia coisa melhor ou até mesmo não ter chegado até aqui. Mas se chegou, e leu, leia Paulo Coelho também. Ou coisa melhor. Mas não deixe o preconceito pseudo-elitista que contamina boa parte de nossa inteligência o impeça de conhecer o maior escritor brasileiro de todos os tempos (veja bem: eu disse o maior, não o melhor). Um homem rico merece o nosso respeito. Imite-o se for capaz.

(publicado no caderno ALMANAQUE do jornal "O Estado do Paraná" em 11 de fevereiro de 2007)

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Artigo publicado no Almanaque do jornal O Estado do Paraná hoje, 14 de janeiro de 2006.

Blog EntryAS Melhores Canções de 2006Jan 10, '07 7:52 PM
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Eu sei, até há bem pouco tempo atrás a gente falava em "discos", mas se isso já era uma bobagem há um ano atrás, que dirá agora. Então vamos lá, direto ao ponto e aos famosos "três minutos" que estão no ABC da música pop:

1. "Crazy" Gnarls Barkley
2. "Youth" - Matisyahu
3. "Steady as She Goes" - Racounters
4. "Say After Me" - Bic Runga
5. "Sexy Back" - Justin Timberlake
6. "Smile" - Lilly Allen
7. "Break The Night With Colour" - Richard Ashcroft
8. "I Am Not My Hair" - India Arie
9. "I Don't Feel Like Dancin" - Scissor Sisters
10. "Give Judy My Notice" - Ben Folds

HORS-CONCOURS
"Drive my car/ The Word / What you're doing" - The Beatles (do álbum "Love", uma parceria George Martin e Cirque du Soleil)

MELHORES BRASIL
1. "Vilarejo" - Marisa Monte
2. "Lenda" - CéU
3. "Ela Só Pensa em Beijar" - MC Leozinho
4. "Não é fácil ser eu" - Vilania
5. "Rocks" - Caetano Veloso

MELHOR NÃO-CANÇÃO
"Uai-Uai - Revolta Queto-Xambá 1832" - Tom Zé

Os melhores sons de 2005

Blog EntryA Justiça brinca com futuro das criançasJan 5, '07 10:36 AM
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Depois de quase três anos saiu a "sentença definitiva" do último processo que houve em relação à guarda de meus filhos, versando sobre a preservação do direito de visita e penoite.

De Fevereiro de 2004 a Outubro de 2006, nós, todos os envolvidos, fomos submetidos a inúmeros interrogatórios a respeito das crianças, por parte do Exmo. Sr. Juiz e Exma Sra. Promotora; depois submetidos a uma extensa perícia psicológica que envolveu até mesmo minha esposa, por ela também tomar parte no cuidado dos meninos.

Somos um casal de médicos - como a mãe dos meninos também o é. Estou privado do íntimo contato com meus filhos do primeiro casamento pelo que considero seja um caso de "Síndrome de Alienação Parental".

Em julho passado, mudei-me do Rio para o Paraná, onde fixei residência com Mônica e onde nasceu meu terceiro filho. Avisei ao Juiz com alguns meses de antecedência a respeito da mudança. Na última audiência (agosto/2006), Vossa Excia. saca da manga a proposta de uma nova perícia psicológica para checar se os meninos estariam aptos a passar metade de suas férias comigo. Pela primeira vez em anos, eu e a ex falamos a mesma língua, dizendo em uníssono que isto era um absurdo, que queríamos uma decisão, afinal uma nova perícia seria impossível de ser realizada pela distância em que moro e não ser do interesse dela também.

O Exmo. Juiz então deu sua decisão no final de novembro: liberou todas as visistas, de fim e meio de semana, como se eu no Rio ainda morasse, proibiu as viagens e ainda pôs um adendo: tudo sendo feito conforme o desejo das crianças (6 e 8 anos de idade). Desta forma contrariou o laudo da psicóloga por ele indicada, que recomendava "o máximo de tempo possível de convívio com o pai".

O resultado? Continuo sem poder conviver com meus filhos.

O caminho jurídico? Recorrer e perder mais alguns anos sendo tratado como um incapaz, afinal, se ela (a ex) não deseja que eu conviva com eles, por que tenho que ser EU a PROVAR que tenho condições de recebê-los em minha casa??? Não caberia a ELA provar o contrário? E o laudo da perícia já realizada, não vale nada?

Meus filhos estão crescendo e a demora da Justiça em garantir-me o direito humano inalienável de conviver com eles tem causado sérios danos psicológico aos menores.
A Justiça brasileira é extremamente rápida em cobrar atrasos no pagamento de pensões alimentícias... mas trata questões importantes como esta com o descaso, os atrasos e toda a burocracia possível.

Há um caminho político: apelar à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Vou tentar. Mas que dá um baita gosto amargo na boca, dá.

Leia mais sobre o assunto:

Sobre o Direito de Ser Pai

Meu filho Pedro José

Meu Filho Lucas

Blog EntryA Criança e o CâncerJan 3, '07 11:30 AM
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Finalmente publicado no jornal "O Estado do Paraná", em 24 de dezembro de 2006...

Me ensinaram tudo errado, inclusive o uso da próclise.

Me ensinaram a acreditar que todos eram bons: até prova em contrário. Nada que um pouco mais de trinta anos de vida “consciente” não me convencessem do contrário: não esperar dos outros senão o pior. Ocasionalmente até me surpreendo positivamente - e quando isso acontece, que bom! - mas já tenho por hábito desconfiar de tudo e de todos, até de mim mesmo. De quebra, não me decepciono mais.

Me ensinaram que eu tinha que estudar, que minha condição de filho da classe média remediada não me permitia outro destino que não a sala de aula, os cursos de línguas e, com sorte, o banco de uma universidade pública. Só assim escaparia da sina de meu pai, de meus avós: pessoas cultas e intelectualizadas presas ao trabalho braçal.

Cresci e "cheguei lá”: optei não pela música ou pelas letras, que me fascinavam, mas pela Medicina. Ah, o sonho pequeno-burguês e interiorano de meus pais... Quantas dúvidas me fez carregar...

Mais aos trancos que aos barrancos, formei-me a tempo de conhecer este país em que “tudo muda apenas para continuar tudo igual” (parafraseando Visconti), em especial o assim-chamado “mercado de trabalho” e a profissão.

Não bastava ser médico, tinha que ter especialização. Uma, duas, três. Quantas mais melhor. Anos de uma espécie de subemprego mal-remunerado e mal-orientado em troca dos malditos papéis - verdadeiras cartas de alforria, que por mais valor legal e científico que possam ter, abriram menos portas que o dinheiro ou os “bons contatos” de outros mais afortunados que eu. Era a forma abjeta e cruel do “capitalismo” brasuca a me colocar - de volta - em meu pequeno lugar e papel.

Mas não desisti; continuo por aí, na luta diária por um lugar ao sol, ou pelo menos por alguma sombra nesta vida de merda. Disseram-me que o trabalho dignifica o homem, faz dele “alguém”, ocupa sua mente (doutra forma certamente ociosa) e o aproxima de Deus. Concordei com tudo isso ao longo do tempo, mas quando penso que as duas gerações que me precederam, que se consideravam “sem estudo” e sofriam por isso, ganharam relativamente mais, construíram mais e proporcionaram vidas mais confortáveis para si mesmos e para os seus que o idiota do “doutor” aqui, descendente dos caras e com treze anos de ensino superior sobre a pobre cachola, penso que eles - meu pai e avô, sem contar o avô materno - me ensinaram mesmo tudo errado.

Me contaram também que havia umas coisas meio abstratas pra se buscar, que talvez dessem sentido ao absurdo do cotidiano. Seriam elas a fé, o amor e a família - não necessariamente nesta ordem.

Da primeira trago uma sensação incômoda e ridícula: a intenção de acreditar. Ou o hábito, ou o desespero mesmo, ou a simples consciência de que, se eu não acreditar mais em nada mesmo, então não vale a pena viver. Mas o “cara lá em cima” deve estar licenciado do cargo para permitir tanta barbaridade cá em baixo - e olha que eu nem estou falando das feitas em Seu nome.

Do amor trago dezenas de provas de sua inexistência e apenas uma bela pesquisa em andamento, até agora a única a não destruir o laboratório. Ainda não sei se as estatísticas ou a vida real ganharão a parada: aposto todas as fichas nesta menina que fiz minha senhora - como se dizia antigamente - e luto contra a frieza que a sucessão de dias e estórias imbecis, vividas antes de nosso encontro memorável, teima em gelar-me a alma.

Dela veio o menino; junto com ele as maiores alegrias, temperadas em minhas velhas e calejadas fibras miocárdicas, cada vez mais sensíveis ao espetáculo de sons e cheiros, cores e descobertas que só nos fazem lembrar, all the time, quanto a vida poderia ser bela (mas não é), e o quanto é, vai ser, sempre será, imensamente difícil não lhe ensinar tudo errado de novo, “como nossos pais”. E vem também o medo, sempre ele, a corroer-me os ossos toda noite com a perspectiva das dívidas e dificuldades, sempre as mesmas e sempre outras, a assombrar nossas cabecinhas de pai sejamos jovens ou velhos ou nem tanto, pobres ou ricos, loucos ou sãos.

Por fim penso nos outros, que um dia como este bebê que dorme agora ao meu lado, também chamei de “meus meninos”. Estes a vida me tirou, Deus ou o Diabo na terra do sol, por obra da pior má escolha que se pode fazer ou da pior “justiça” que um país possa ter.

Enquanto penso nos que me antecederam e naqueles que não coloquei no mundo para que me fossem tirados, rezo (mais) um prece por este piazinho paranaense de dois meses de idade, e acredito que em sua essência o ser humano é bom, e rezo prá ele com o chamado mais sincero que minha alma puder erguer aos céus, e enxergo nos pequenos atos da vida diária todo o amor desta mulher que sempre foi “por mim”, e ufa! me vejo em família, só nós três, e durmo feliz.

É isso aí. Dizem por aí que o único ser humano sem mácula também veio de uma família pequena e unida, que também teve o seu Egito para fugir, que só despontou em sua plenitude depois dos trinta anos. É isso, meu Deus. Que eu não tenha mais jeito, que se foda, mas que eu possa ensinar-lhe as coisas certas - inclusive uma boa ênclise.



Blog EntryLullabyeDec 3, '06 9:14 PM
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(texto publicado em 03 de dezembro de 2006 no caderno Almanaque do jornal O Estado do Paraná).

Blog EntryA comemoração do NatalDec 2, '06 12:46 PM
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O Natal tem sido comemorado de muitas e variadas formas ao longo da História, e esta é uma das características que permitiram a longevidade e o sucesso da festa, que foi assimilando novos ícones e manifestações diversas ao longo ao longo do tempo. Sem deixar de lado o aspecto religioso da celebração, e toda a carga de sentimentos que o nascimento de Cristo desperta nos fiéis, o Natal é cada vez mais a festa de todos nós, a festa por excelência, a festa da humanidade.

Num mundo globalizado, em que os enfeites feitos na China e em Taiwan decoram pinheirinhos e casas à espera do Papai Noel, com motivos que remetem à neve e ao frio que não temos nos trópicos (pelo menos não nesta época), o Natal é comemorado no mundo todo. Até os japoneses, tradicionalmente distantes do Cristianismo, hoje buscam na reunião de dezembro e na troca dos presentes o mesmo significado que não podemos olvidar: a celebração das famílias e das gentes, o aceitar do outro, a alegria pelo próximo.

Que possamos festejar juntos, neste Natal, todos as conquistas do ano que passou, e o renascimento da fé e do otimismo em cada um de nós. E que o Ano Novo que logo se inicia possa significar mais vida em nossas vidas, mais esperança e alegria.

São os votos de Renato e família.

Esta vai para o meu amigo Alexis Kauffmann.

Publicado originalmente em www.medscape.com, acessível com senha.

Look at Your Garbage Bin: It May Be the Only Thing You Need to Know About Statistics

Andrew J. Vickers, PhD

Medscape Business of Medicine. 2006;7(2) ©2006 Medscape

Posted 11/03/2006

J'accuse: Many of the medical research papers you read will be wrong, not as a result of methodologic flaws, poor design, or inappropriate statistics, but because of typing errors.

Exhibit 1

I was doing some research on sample size calculation and was reading up on how such calculations were reported in the very best journals. The very first paper I read was in the prestigious British Medical Journal: the authors stated that they were looking for the drug to improve pain by 16 points on a pain scale that had a standard deviation of 8. Now you may notice that this is a difference of 2 standard deviations, an absolutely massive effect (indeed, an adequately powered trial would require only 12 patients). When I emailed the authors, they apologized and said that they meant to give a figure of 18 rather than 8 for the standard deviation. The second paper I read, which was also published in the British Medical Journal, was also somewhat confounding: anxiety, depression, and fatigue had improved in the treatment group, but quality of life was worse. After investigating the issue with the authors, it turned out that quality of life was indeed better after treatment but that a minus sign had been omitted from the table of results.

Exhibit 2

I had provided advice to a researcher about a trial and promptly forgotten about it until he sent me a copy of the final manuscript: Could I read the final version and sign the copyright form before he submitted it with my name as an author? I told him that I usually do not put my name to a paper unless I had personally checked the statistical analysis and so asked for a copy of the study database. Although I reproduced the analyses described in the paper, something still felt odd, so I asked for copies of the actual questionnaires on which patients had reported their symptoms. My caution was vindicated: I found 4 data entry errors in the record of the very first patient I checked; I also noticed that the study codes had been handwritten on the questionnaires such that the data for Patients 14 and 19 were likely reversed. I suggested repeating the data entry from scratch. When the paper was eventually published, the results were very different from those included in the paper I had originally seen.

Exhibit 3

A colleague showed me a paper pointing out that I could conduct a secondary analysis that would interest me. The authors generously sent me the raw data, but when I started my analysis, I immediately noticed some anomalies. The results included data on 2 biomarkers that are inversely correlated -- that is, you normally see high levels of one or the other, but not both. Yet a small number of patients did indeed have high scores for both biomarkers. When I asked the investigators about this, they said that they had checked the records for these patients, had found the data to be correct, and that double-positives sometimes happened. So I finished my analysis and presented the results to my colleague. She pointed out that the results were difficult to interpret without information on clinical stage. Now it turns out that very few early-stage patients are positive for one of the markers, and when we received the stage data, we noticed that several early-stage patients were marker positive; in fact, these were exactly the same "double-positive" patients we had asked about previously. When we raised the issue again, the investigators wrote back saying that on further checking there had been data entry errors, and that the values of the biomarkers had been reversed in some cases. Note that this was an important National Institutes of Health-funded study conducted at a major university and that the primary goal concerned the impact of the biomarkers on outcome.

Exhibit 4

I was asked to help a surgeon conduct an analysis of the effects of obesity on complication rates. The very first line of the spreadsheet he sent to me described a female patient who was 6 feet tall and weighed 135 pounds, roughly the anorexic look favored by the typical fashion magazine. Yet her body mass index was given as 49, which puts her in the category of the super-obese. It turned out that the surgeon had typed numbers from the surgical charts into a Web-based body mass index calculator and then cut and pasted the results back into the spreadsheet; inevitably, mistakes had occurred.

I could go on to give further examples, but reading about data entry errors in an article is almost as boring as having to deal with them in practice. So, for the rest of my time here, I'll focus on some potential solutions.

One of the principal characteristics of science is that it involves systematic attempts to avoid error. This is why we do everything from test tube washing to experimental replication and blind observation. What the medical researcher must do, therefore, is to put in place systems that decrease the probability of typing errors. These systems can be implemented at all stages of the research process.

Systems

Data Collection

1. Write a Protocol for Checking Data as it is Collected. For example, in a pain study, we had research assistants examine each questionnaire as it was received to check that every question on the questionnaire had been answered, that all pain scores were between 0 and 10, and that the name of each analgesic in the medication diary was legible. Patients were contacted in cases of missing, illogical, or illegible data.

2. Use "Sign-Offs." We asked research assistants to sign and date questionnaires that they had checked before filing them. The signature serves the same function as the courtroom oath to tell the whole truth: "I have checked this questionnaire and found it to be complete and correct." It also means that, if a mistake has been made, we can work out who made it, a boon to quality control and a powerful incentive to researcher assistants to be as careful as possible.

Data Entry

1. The Best way of Preventing Data Entry Errors is to Avoid Data Entry Altogether. Take Exhibit 4: patients' heights and weights could have been downloaded into a spreadsheet directly from the surgery database and body mass index calculated using a formula. Where information is obtained from patients, you can use forms that can be optically scanned, or Web-based systems. In one study I am planning, we will email patients every 3 months with a link to a secure Web site on which they directly enter their symptom scores.

2. Use Double-Data Entry. Data entry from paper forms such as questionnaires is often unavoidable. The best system to avoid data-entry errors is what is known as "double-data entry." In brief, data from paper forms is typed onto a database; a blank copy of the database is then made and the data reentered; the 2 databases are then merged to discover inconsistencies. The last time I did this, there was at least 1 inconsistency on 14 of the 99 patient records in the data set.

3. Write a Protocol for Data Entry. This specifies rules for data entry such as how to handle illegible or ambiguous data. As a typical example, we specify that if a patient circles 2 responses to a question, we take the response corresponding to the higher symptom score.

4. Use Sign-Offs. Data-entry personnel should sign and date paper forms after they have been entered onto the computer (see point 2 under data collection).

Data Analysis

1. Create a Log File. Record with dates all the analyses you do, along with their rationale. The log file should also document the names of files and folders you set up to manage your data.

2. Check the Final Data Set. Once you have the data set in your statistical software, you should check for missing data. You should also conduct consistency and range checks. A consistency check determines whether the value of one variable is unlikely or impossible given the value of a different variable: the biomarkers case in Exhibit 3 is one example; others include checking whether a patient's date of recurrence is before their date of surgery or after their date of death, or whether the level of a variable that is part of the total (eg, days with severe pain) is higher than the variable representing the total (eg, days with any pain). A range check determines whether the values of any variable are prima facie unlikely, for example, a body mass index of 2000 or a hemoglobin of 1.25.

3. Program your Analyses. An introduction to statistical programming is beyond the remit of this article; however, the key point is that analyses should be conducted by writing a program, which can be reproduced, rather than by using pull-down menus, which are not reproducible. The program should also include automatic output suitable for importing into a word processing program: cutting and pasting individual numbers from software output is an important source of error.

Manuscript Preparation

1. Check Every Number on the Manuscript Against the Printout from the Statistics Software. This offers an additional way of ensuring that the paper says what it is meant to say.

2. Double-Check the Proof. Errors often creep in when papers are reformatted by editorial staff.

Conclusion

I have often had to fight with investigators to get them to implement some of these simple procedures and checks, most typically because they are thought to "take too long." Well, no lab scientist uses dirty equipment on the grounds that bottle washing is too time-consuming. Moreover, in my experience, systematic data checking generally saves time because it prevents problems that are extremely difficult to remedy once they have occurred. And I challenge any researcher to tell a patient: "Sorry, I was too busy to check the data."

So, on the principle of "garbage in, garbage out," look at your garbage bin; it may be the only thing you need to know about statistics.

Author's note: Some aspects of the "exhibits" have been changed to protect confidentiality.

Andrew J. Vickers, PhD, Assistant Attending Research Methodologist, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, New York, NY

Disclosure: Andrew J. Vickers, PhD, has disclosed no relevant financial relationships.


A descrença nasce da observação atenta e rigorosa do mundo, e não da psique per se. Nós seres humanos levamos a vida cobertos por uma falsa capa de racionalidade, quando qualquer análise realista é capaz de provar que, quase 100% do tempo, quem manda mesmo são nossos instintos primitivos e primais.

Não acredito mais nas pessoas. Somos os mesmos animaizinhos competitivos que outrora eram capazes de se matar por comida, território e procriação. A solidariedade inexiste – ou talvez apenas no câncer, como acusamos os pobres mineiros – e quando existe é para mascarar necessidades jamais admitidas de expiação de culpas, narcisismo ou fanatismo. A compaixão, em seu sentido exato, o de “sentir COM o outro” foi substituída pela pena. O companheirismo atende a necessidades pessoais. A amizade tornou-se descartável como o amor e o sexo. Os filhos, objeto de disputa. A família, terreno mais que propício a comparações desabonadoras; e o amor, fogo fátuo em que queimamos nossas ilusões mais adolescentes.

Da vida em sociedade gostaria de nem mais falar; se no plano pessoal e privado o Homem (que já não merece as maiúsculas) falhou completamente em sua missão de preservar a si próprio e ao planeta em que teve a sorte de se desenvolver, imagine quando somamos dois mais dois. Nossas fronteiras inúteis e segregacionistas, nosso ódio pelo semelhante (ainda maior pelo dessemelhante) e nossa gelidez pétrea pelos problemas alheios estão mais que escancaradas no abandono dos carentes, na guerra dos corporativismos, em nossa inabilidade política.

Gostaria de nem chamar “descrença” a “des-crença”, porque a própria construção da palavra é errônea, permite supor que antes do ceticismo houve uma “crença”. Poderia ser “incrença”, ou “não-crença”, uma vez que acredito (paradoxo dos paradoxos) que se um dia tal fé pudera ter havido, jamais te-la-ia abandonado, ou ela a mim. Não sou Jó, que por mais que não entendesse o mundo, ou a maior punição dos justos pelo “Mais Justo dos Justos”, era incapaz de se voltar a Deus com mais que “por quê”. Cobro dele, na noite escura da fé, um pouco mais de alma.


Blog EntryLullabyeNov 5, '06 6:10 PM
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Deveríamos todos viver em clima de constante celebração da vida, venha a consciência dela na forma de nascimento ou de morte. Afinal, passamos a vida a pensar (não há quem seja capaz de bloquear o fluxo do próprio pensamento); mas sobre aquilo que importa só somos capazes de raciocinar claramente à luz dos grandes eventos da vida.

Vocês já repararam como a gente fica “esperto” quando morre alguém próximo, especialmente de maneira inesperada? De repente fica tudo muito claro: as oportunidades perdidas, as palavras mal-ditas, os bons e maus momentos revestidos de significado e saudade. Tomamos decisões importantíssimas: trabalhar menos (ou pelo menos deixar um pouco de lado a luta pela vida para aproveitar a família e os amigos), dedicarmos-nos mais aos próximos, viver cada dia como se fosse o último e coisa e tal.

Da mesma forma e ainda com mais esperança quando recebemos a visita da cegonha e olhamos para aquele milagre pequenino que ainda ontem transformara a barriguinha amada em uma espécie de melanciazinha. Transbordamos de amor, fazemos planos, ficamos apaixonados pela vida colorida e ensolarada que se estende diante de nós.

Depois, um dia, infelizmente, voltamos ao “normal”: ensimesmados com nossos problemas, a cabeça voltada e presa ao contemplar de nossos próprios umbigos – e aqueles planos todos, as melhores intenções, vão ficando para trás, soterrados... por nós mesmos.

Acho que no mundo de hoje as coisas não estão sendo bem aproveitadas”, disse-me alguém que deu o diagnóstico – mas não a terapia – há muito tempo atrás. Acho que é a mais pura e dolorosa verdade. Não era para ser assim.

Fomos feitos para o sol que entra no quarto pela janela, de manhã; para longos desjejuns acompanhados da pessoa amada; para a calma e não para a pressa destes dias insanos em que tudo – especialmente a falta de dinheiro – nos impele ao frenetismo de ações mecânicas e descompassadas. Fomos feitos para a culinária vagarosa (verdadeira terapia ocupacional), e para refeições bem balanceadas, à francesa, de preferência temperadas com um bom vinho tinto. Fomos feitos para os sorrisos, para a gentileza, para ouvir mais que falar, namorar mais que brigar, conciliar interesses contrários e evitar reações adversas. Fomos feitos para o amor mais que para o sexo, puro e simples e desconhecido. Fomos feitos para as longas noites de sono, madrugadas acordado, nasceres e pores-do-sol.

Carregamos dentro de nós este relógio, hormonal e biológico, que serve à alma com a competência adquirida através dos milhões de anos de tentativa e erro de uma natureza que é “divina” mesmo aos olhos do ateu mais ferrenho. Nascemos, crescemos, envelhecemos e é tudo “da lei”, não obstante as tentativas vãs de protestar, modificar, aperfeiçoar. Hoje estou aqui, varando noites ao lado de meu filho muito amado; amanhã será ele a contemplar a estátua de cera em que me transformarei quando a centelha da vida me deixar.

Conseguirei convencê-lo a agir melhor que eu, a aproveitar cada segundo, a jamais buscar uma felicidade abstrata que já vem com cada um de nós, escondida nos sentimentos mais piegas, nas pequenas grandes coisas do dia-a-dia, em cada um dos mirantes que nos permitem ver a vida do alto e nós mesmos com suficiente distanciamento crítico? Não sei. Mas não me preocupo. Subo a escada e miro o quartinho que eu mesmo pintei, a menina que escolhi para ser mãe dele e o bebê que me fita através dos cristalinos ainda imaturos, mas já é capaz de sorrir. Sei que estou certo em quase tudo que falei, e quase sempre errado naquilo que faço, mas espero confiante que a paixão não esmoreça, que os planos e as decisões tomados agora, em que me encontro inebriado pela vida que observo em zelosa missão, sejam perenes.

E enxoto da cabeça todo e qualquer receio, todo e qualquer problema, tudo que não seja simples, bonito e bom. Sim, é isso que vou tentar fazer.


Blog EntryA Criança e o CâncerOct 23, '06 11:52 AM
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O câncer da criança é muito diferente do câncer do adulto. As chances de cura em instituições especializadas, que chegam apenas a aproximadamente 20% em maiores de 18 anos, nas crianças pode chegar a estratosféricos 80%.

Estes números são frutos do esforço conjunto que muitos centros de tratamento multidisciplinares e especializados vêm fazendo desde a década de cinqüenta, de modo que, hoje em dia, dados importantíssimos tenham sido levantados, possibilitando melhor tratamento para estas crianças, que podem receber o mesmo esquema de drogas aqui, na Europa ou nos Estados Unidos.

Em palestra realizada em Brisbane, Austrália, em 2001, o Prof. Larry Hadley, de Cape Town, África do Sul, quando perguntado acerca da grande quantidade de casos avançados da doença em um estudo seu, replicou com uma imagem do caminhão “pau-de-arara” que trazia seus pacientes dos rincões da savana para a cidade. Sobre a caçamba, uma infinidade de cabecinhas; do lado de fora, adultos e crianças agarrando com seus braços magros as laterais do veículo.

Nossa situação, no Brasil, não é muito diversa. Podemos não dispor de imagens tão edificantes como a do Prof. Hadley, mas vivemos similaridades no que tange às dificuldades de transporte até grandes centros e a falta de diagnóstico precoce. O Registro de Câncer de São Paulo 2004 (de base populacional) apresentou coeficientes de incidência e mortalidade de câncer pediátrico mais elevados do que os de outros países europeus e americanos, com uma probabilidade de sobrevida acumulada de apenas 41%. E isto na maior cidade do país, onde, como no Rio de Janeiro, concentram-se grande parte dos hospitais especializados na doença, todos incluídos em grupos de estudo nacionais e internacionais gerenciados pela Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. Como explicar, então, a disparidade de resultados, se muitas vezes o tratamento recebido é o mesmo que recebem crianças americanas e européias?

As respostas são muitas, incluindo-se a inexistência da disciplina Oncologia Pediátrica na esmagadora maioria dos programas curriculares das escolas brasileiras de Medicina, a não-obrigatoriedade de estágio dos residentes em Pediatria e/ou Cirurgia Pediátrica em instituições especializadas e a própria raridade da doença. A realidade é que a maioria dos médicos, especialmente os pediatras, não adquiriu conhecimento suficiente para identificar e reconhecer os sintomas da doença, levando a criança a uma “via crucis” de encaminhamentos, exames e até tratamentos equivocados, levando ao atraso no diagnóstico e conseqüente diminuição das possibilidades de sobrevida.

E por que nos preocuparíamos com isso, num país onde tantos ainda morrem por falta de cuidados médicos básicos na mais tenra idade? Porque malgrado os avanços milimétricos que obtivemos nos últimos anos, com o combate à fome e à mortalidade infantil, é esta doença rara – o câncer – que responde hoje pela segunda causa mortis entre menores de 0 a 18 anos, atrás apenas dos óbitos por causas externas (acidentes).

A nova Política Brasileira de Câncer, normatizada pela Portaria 741, de 19 de dezembro de 2005, que corrigiu pequenas imperfeições da já excelente legislação anterior, acena com a possibilidade de se descentralizar o tratamento, deixando a cargo dos gestores locais do Sistema Único de Saúde (SUS) a organização de esquemas de referência e encaminhamento dos portadores da doença, inclusive identificando e sugerindo novos hospitais para credenciamento em áreas outrora desprovidas de atendimento. O Ministério da Saúde continua soberano na avaliação de quais locais e cidades deverão ser contemplados com novos centros especializados em Oncologia de adultos e/ou crianças, mas são os esforços destes gestores que, em última análise, possibilitarão a capacitação profissional e tecnológica de instituições que já prestam atendimento oncológico, elegendo-as para o credenciamento como um reconhecimento de sua importância no combate regional à doença.

O câncer na criança é uma urgência em termos de diagnóstico e tratamento precoces. Nossa capacidade de prover o tratamento adequado não depende mais somente de “milagres” da Medicina como novas drogas e/ou esquemas radioterápicos eficazes. Há que haver engajamento por parte das classes médica e política, bem como da comunidade em geral – que deve ser instruída sobre a dimensão do problema – visando a construção não só de uma rede de atendimento médico, como de suporte social para as famílias atingidas pela doença.

Quando este artigo foi concebido inicialmente, tínhamos a intenção de colori-lo com exemplos pungentes e coroá-lo com uma pergunta: além do drama evidente de um diagnóstico terrível, quanto mais um pai ou uma mãe precisam sofrer para ver assegurado a seus filhos o direito ao tratamento previsto por lei? Por mais envolvidos que nós oncologistas estejamos com o dia-a-dia dessas famílias, porém, jamais seremos capazes de compreender completamente o grau de sofrimento que a doença impõe a pais, irmãos e parentes. “O câncer na criança é impensável”, diria o mestre Carlos Vicuña, ora clinicando em Quito, Equador, “nós só somos capazes de executar nossas obrigações de médicos porque não se trata de nossos próprios filhos. Imagine seu filho com câncer. Você não consegue. É impensável.”


Blog EntryO Debate, por Reinaldo AzevedoOct 10, '06 1:34 PM
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Para quem não pode assistir ontem, segue um bom resumo do ocorrido.

O debate: como e por que Alckmin venceu

Querem uma síntese do que foi o debate? Alckmin chamou Lula de “mentiroso” e sinônimos mais de uma vez. E o petista não conseguiu reagir. Ao contrário, admitiu ter falado no rádio a mentira que seu oponente denunciava. E Alckmin fez a pergunta fatal: “Qual a origem do dinheiro?” E se dirigindo aos telespectadores: “Por que ele [Lula] não pergunta a seu churrasqueiro [Jorge Lorenzetti]? O tucano venceu o debate? É claro que sim. É isso o que as pesquisas vão dizer? Bem, aí é outro problema. Mas vamos com calma e por partes. E também pretendo provar, no penúltimo bloco deste texto, o mal que Marilena Chaui fez a Lula.

Vocês sabem que voto contra Lula. E, pois, voto em Alckmin. Conhecem também o que penso a respeito da importância de derrotar o PT — partido que, seguida estritamente a lei, tem de ser extinto por infração a todos os códigos de conduta que regem a vida social: da Constituição à legislação eleitoral. Mas sei separar as coisas. Fui um crítico muito duro das primeiras semanas da campanha de Alckmin na TV, que estava errada. O primeiro texto afirmando que aquilo não levaria a nada foi publicado aqui. Podem procurar. Depois, as circunstâncias impuseram a mudança de tom, começou a haver um lento, mas contínuo, crescimento nas urnas. Ainda assim, parecia que não haveria tempo. Mas chegaram os magos do PT com a sua idéia “genial” de um dossiê fajuto. O resultado está aí.

Faço essa observação para lembrar que sei a diferença entre o que é fato e o que é minha torcida. E o fato é que Alckmin nocauteou, sim, Lula nos argumentos. Uma pesquisa de opinião a respeito tende a reproduzir o quadro da preferência eleitoral. Por enquanto, pode até ser que se registre a “vitória de Lula” no confronto. E, no entanto, Lula, Alckmin, eu e qualquer um que tenha visto o debate sabemos que o petista foi esmagado. A cara desenxabida de Marta Suplicy numa entrevista ao fim do programa denunciava tudo. O comportamento, ainda estupefato, de Maro Aurélio Garcia numa entrevista ao programa Canal Livre era o retrato da noite. Lula acabara de ter uma das piores performances de sua vida em encontros dessa natureza.

Fator surpresa

O que desorientou Lula e seus assessores foi o tom surpreendentemente duro de Alckmin. À queima-roupa, o tucano lascou a pergunta sobre a origem do dinheiro sujo que pagou o “dossiê fajuto” (nossa expressão pegou, leitores) logo de cara. Lula titubeou. Não esperava. Disse que também queria saber... E tentou ensaiar ali uma teoria conspiratória: a negociata o teria prejudicado; logo, ele não seria responsável por ela. Não adiantou. Alckmin não desistiu da questão. Na sua vez de atacar, o petista afirmou que os sanguessugas começaram com Barjas Negri, nomeado depois secretário do governo de São Paulo. E o ex-governador disparou uma frase que era um sinal claro que a noite estava perdida para Lula: “Não me meça pela sua régua”.

E não deu um minuto de descanso ao petista. O presidente-candidato se atrapalhou já na largada. Esqueceu de cumprimentar os telespectadores, os promotores do evento, e saiu se defendendo. Lula é bom palanqueiro. Costuma ser mais afinado em debate do que estava neste domingo, mas nunca foi um bom satirista, não consegue fazer ironias, ser sutil, engraçado. Tentou colar em Alckmin a pecha de “candidato ensaiado”. Não adiantou. O outro, mostrado em metade da tela, conservava no rosto um sorriso frio e sereno. Lula estava com olhos injetados, mais inchados do que de hábito e com o raciocínio mais confuso do que o normal.

À sugestão de que estava ensaiado, Alckmin responde que seu adversário ficava olhando para as suas fichas, lendo o que lhe prepararam. E ironizava: “Você (sic) está mal informado. O que o pessoal escreveu aí está errado”. Lula então anunciou que iria fazer as perguntas sem as fichas. Não deu. Parou de disfarçar. Pôs os óculos e passou a ler um verdadeiro relatório de assessoria. Do ponto de vista do espetáculo dos antagonistas, um desastre para o petista.

Ditão, Diogo e Reinaldo

Numa noite em que o Ditão de Pinda baixou em Alckmin, que seguiu rigorosamente as orientações deste blog e do Podcast do Diogo (neste ponto, petralha aciona a tecla SAP para piadas), Lula teve de se confrontar com a notável capacidade do ex-governador de São Paulo de decorar números, dados, comparações etc. O que lhe permitiu falar com fluência, mantendo o outro o tempo inteiro nas cordas, como um boxeador que protege a cara com as luvas e começa a tomar soco no fígado. Beijou a lona a primeira vez quando o tucano falou sobre os gastos com cartões corporativos. Dedo em riste, pediu a Alckmin que não fosse leviano. Na seqüência, ouviu a palavra “mentiroso”. Solicitou direito de resposta. Alckmin mandou bala: então também iria pedir porque foi chamado de “leviano”. A produção decidiu que não houve ofensas. Lula soçobrava.

E Alckmin não parava de bater. Numa das perguntas, Lula tentou interrompê-lo, e ele não teve dúvida: “Candidato, respeito!” Num debate, jamais se deve dar ao adversário a vantagem de nos passar um pito por infração das regras. Em 1982, Franco Montoro, que disputava o governo de São Paulo, respondia a uma questão, e Reynaldo de Barros, homem de Maluf, tentou falar junto. Ganhou um “Cala a boca!”. Com autoridade. E ele se calou. O pito do “Dr. Alckmin” foi a segunda beijada na lona dada por Lula. Voltou a ver o chão do ringue de perto quando afirmou, depois de ter acusado Alckmin de ser o responsável pelo PCC em São Paulo, que ninguém era culpado pela violência, nem ele, presidente, nem os governadores...

Privatizações

Uma esperteza do petismo acabou custando caro. Lula andou dizendo em comícios que Alckmin, se vencer, vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e os Correios. Infelizmente, é mentira. Não vai. Aqui, uma observação a meus amiguinhos conservadores: privatizar pode ser o correto, e é. Mas debater o tema é entregar o poder ao Apedeuta de bandeja. Como o PSDB não fará isso mesmo que vença, precisa, sim, desmentir a coisa. E Alckmin conseguiu fazê-lo sem satanizar as privatizações.


Foi nesse ponto, já no fim do debate, que o tucano chamou Lula de mentiroso. E o petista, que não tinha como se defender, teve de admitir que fizera mesmo a acusação. Alckmin estava com o seu programa ali: “Eu o desafio a mostrar onde é que está escrito isso aqui”. E disse, outra vez, a palavra "mentira". A Lula restou balbuciar que os tucanos gostam de vender estatais. De novo, as pernas estavam bambas.

Fator Marilena Chaui
O PT tem um especialista em ética: Marilena Chaui. Acredito que foi o nosso Platão de calças (o original usava túnica, rá, rá, rá) da USP quem soprou ao seu Tiranete de Siracusa que “ética não é saber antes das irregularidades, mas punir depois que se fica sabendo”. Ele repetiu isso ao longo do programa umas três vezes. Bem, nem Franklin Martins agüentou. Foi obrigado a perguntar-lhe que garantia haveria, então, de que novas irregularidades não aconteceriam sem que o chefe ficasse sabendo. Sim, a definição do Apedeuta de ética é formidável. Poderia ser redigida de uma outra forma: “Ética é igual ignorância”. Ora, se, neste momento, houver algum aliado de Lula fazendo alguma sacanagem, onde está a ética? No fato de Lula não saber de nada. Não é magnífico?


Não, não, Lula. Ética, na coisa pública, é criar um conjunto de procedimentos que elimine o máximo possível as possibilidades de alguém transgredir o que está socialmente pactuado. Por exemplo: aparelhar o Estado, nomear 30 mil companheiros, receber em palácio tesoureiro e presidente do partido, tudo isso estimula os atos aéticos, que não são aceitos como valores pelo Estado democrático.

Se..., os efeitos e a conclusão

Se alguém realmente indeciso assistiu ao debate e se este ajuda a definir o voto, é claro que Alckmin faturou. Lula não conseguiu fazer, desta vez, nem mesmo aquele discurso populista, coalhado de metáforas. Num momento de grande inspiração, respondendo sobre política externa, imaginem só, mandou bala: “Minha mãe dizia: ‘Cada macaco no seu galho’”. Por que ele disse isso? Sei lá eu. Duvido que ele saiba. O debate serviu também para evidenciar as suas fragilidades técnicas, políticas e intelectuais, agora que ele já não é mais o santo intocável de 2002, incensado pelo jornalismo político, que gritava “preconceito!” à simples sugestão de que ele pudesse ser despreparado. Delúbio Soares, Marcos Valério, Jorge Lorenzetti, Ricardo Berzoniev e congêneres “humanizaram” Lula. E como!!!

O debate também é importante como antecipação de como será a campanha de segundo turno. Se Lula esperava se manter naquela linha do ineditismo-triunfalista, pode tirar o cavalo da chuva. O encontro deste domingo marca, definitivamente, o ponto de inflexão do PSDB. Finalmente, é possível ligar Lula à sua obra. Assim, o PT também vai mudar a sua estratégia. Agora que o dossiê fajuto fracassou e que a linguagem propositiva, paz e amor, não foi o bastante para garantir a vitória no primeiro turno, vem pauleira por aí. Mas atenção: programa de televisão e debates não substituem o trabalho dos líderes tucanos nos Estados.

A performance de Alckmin não teve um único erro. O Ditão sabia das coisas: “Bate nele, doutor! Bate nele!”

Por Reinaldo Azevedo

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