sexta-feira, 23 de janeiro de 2009






Blog EntryQue falta faz uma verdadeira rebeliãoMay 20, '06 11:39 AM
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As notícias sobre a rebelião de "presos" em São Paulo que ocuparam com destaque os jornais desta semana se destacam mais pela falta de informação, pela censura pura e simples (basta ver que a listagem dos mortos ainda não saiu) e pelo eterno blablablá politiqueiro e inepto que pelas mortes em si. Não à toa, a listagem parou em número ligeiramente inferior aos famosos 111 do Carandiru, como para dizer que o esterco jogado no ventilador não fora tão grande assim.

A rebelião do Carandiru foi um ato isolado - um evento pontual - imediata e nazisticamente "controlado" pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde o inconcebível se materializou na violência absurda da matança (com nuances de crueldade inéditas no país) e na frieza do governador - que deu a ordem sem pestanejar - e dos responsáveis que não hesitaram em promover o massacre.

Já as dezenas de rebeliões simultâneas que eclodiram no final de semana passado caracterizaram o poder de fogo e organização de uma máquina criminosa e terrorista muito bem engendrada (um tapa na cara dos idiotas que dizem que não há, no Brasil, "crime organizado"), a tibieza de um governador de ocasião e de uma polícia cuja "inteligência" não soube responder quer com ações que impedissem o movimento quer com orientações à população civil inocente. Ou alguém crê que, em meio ao somatório de um bombeiro, quarenta e um policiais e cento e nove "criminosos" não havia inocentes?

Vistos por uma perspectiva carioca - é, nossa mesmo, oriunda de nosso sub-povo tão combalido que há tantos anos já considera normal arrastões, fechamentos de vias e guerras no morro "normais" - traz quase um "alívio" ao pensar que "lá" as coisas andam tão pretas como cá. Li opiniões de jornalistas conceituados dizendo que "enquanto isso no Rio havia paz" e quase rolei de rir, um riso nervoso que só me acomete face ao absurdo da ignorância. Freud explica. "A grama do vizinho é sempre mais verde", diriam os ingleses, "mas se o jardim queimar, tomara que seja no vizinho", parecem dizer os jornais cariocas.

Visto por uma perspectiva nacional, as rebeliões em São Paulo são tão lastimáveis e amedrontadoras para o restante da Nação quanto para os paulistas e paulistanos das cidades envolvidas. São o resultado de décadas de uma "história" mal-alinhavada de um país que saiu da condição de "terra das oportunidades" (quem tem antepassados imigrantes que venceram aqui, que o diga) para uma "terra de Marlboro", onde a corrupção, a desonestidade e o mau-caratismo tornaram-se o único modo de ascenção social. São o resultado da inexistência de uma política nacional de segurança (e pensar que nos anos FHC o PT apresentou o melhor plano de segurança que o país já viu - e uma vez no governo jamais o executou) e da inexistência de uma política nacional de prisões (que crie infra-estrutura e as transforme, TODAS, em empresas privadas que gerem lucros às cidades onde estão situadas, como nos EUA). São o resultado, ainda, da vigência de Códigos Penal e de Processo Penal arcaicos, inadequados para o Século XXI.

Mais lastimável ainda, contudo, é saber que nós, da "pequena burguesia" encolhida por altos impostos e taxas (vide as cifras astronômicas da alta de preços dos planos de saúde e tarifas de luz, água e telefone como alguns exemplos bem palpáveis), ausência de linhas de crédito e uma política de juros dignos de um Estado que é agiota de seus próprios cidadãos (de mãos dadas com os grandes bancos que o sustentam), nada faremos.

Aprendi naquelas cartilhas de "educação moral e cívica" que a Ditadura distribuía nas escolas nos anos 70 que as populações se organizaram e criaram Estados em prol do bem comum. Que o papel do Estado era prover em primeiríssimo lugar SEGURANÇA. Que impostos proviam este Estado de condições de trabalhar pela comunidade, construindo a infra-estrutura necessária para que o País crescesse economicamente. Que prover saneamento, saúde e educação eram missões estatais justamente para torná-las acessíveis àquela parcela da população que de outra forma, não teria acesso a tais benefícios básicos.

Para o menino de oito ou nove anos que as leu, ficava claro entretanto o que as cartilhas não contavam: que uma vez que o Estado faltasse com suas obrigações, era dever da Nação apear os que estivessem no poder para tornar a fazer as coisas funcionarem. É claro que não sou um revolucionário, nem o era na mais tenra idade. Mas se um grupo de semi-analfabetos e criminosos, "presos", consegue fazer tanto barulho, está na hora de promovermos pelo menos uma amostra de rebelião. Acredito que exista uma grande parcela da população que não concorde com tudo que está aí. Acredito que precisamos acordar e lutar, exercer sobre os governos alguma forma de pressão inteligente, pacífica e organizada que os faça pelo menos temer por seus cargos, suas reputações e - principalmente - pelo secamento da sangria que se estabeleceu nos cofres públicos nos últimos anos.

Ou será que estou sendo utopista enquanto todo mundo espera mais é ter a oportunidade de tirar o seu quinhãozinho da "viúva"? Nesse passo da História Nacional, em que o poder atrai somente aos corruptos e/ou aos corruptíveis, teremos muitas São Paulos se repetindo por aí...



Blog EntryClasse Média em Queda LivreMay 5, '06 6:37 PM
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Significâncias esquecidas por detrás do trivial dia-a-dia desaparecem na teia de enganos que regem as relações sociais no Brasil.

Avaliamos exaustivamente, nas últimas décadas, o “poder” – de minha parte o prefiro entre aspas que em letras maiúsculas - e seus personagens sucessivos, com a Imprensa exercendo papel relevante e imprescindível no desvendar de significados outrora desconhecidos e/ou censurados. O advento da mídia eletrônica, a dar voz e platéia para novos nomes através da velocidade crescente de seus mecanismos de propagação de idéias e debates, trouxe-nos até o momento atual, em que cada cidadão tem a oportunidade de tornar-se um cronista de seu próprio tempo.

Resta-nos aprender ainda o que fazer com o volume de informação disponível, separar joio e trigo, e mais que isso, desenvolver respostas. De nada adianta o conhecimento que não leva à ação – que o diga a apatia popular perante escândalos políticos que de tão freqüentes perderam o sentido, de tão escabrosos anestesiaram nosso poder de indignação. Neste e em tantos governos, em tantas esferas da vida pública nacional.

Já o crescimento urbano descontrolado, especialmente nas grandes cidades brasileiras - trazendo consigo o desmantelamento das estruturas de assistência social herdadas dos governos militares, a espiral descontrolada da violência (e do tráfico) e a perda iminente de mais de uma geração de brasileiros pobres e sem chance de ascensão social pelo trabalho honesto - tem dado origem aos mais variados tipos de debate filosófico, produção artística e atividades beneficentes.

Hoje está na moda falar da favela, do menino de rua, do traficante e do bandido como se, somente ao se encarar tal realidade frente a frente pudéssemos ser capazes de entender o Brasil. Não digo que não. Assim como não nego quão essencial é conhecer a fundo as maracutaias de Brasília.

Tem feito falta, entretanto, nessa busca por um retrato fiel da Nação, voltarmos os olhos um pouco mais para esta abstração que se convencionou chamar de “a classe média” brasileira. Obcecados por esmiuçar os meandros da corrupção governamental e da “vida” de celebridades da hora ou dispostos a chamar a atenção para o que acontecia no assim chamado “andar de baixo”, nossos jornalistas, intelectuais e artistas vêm esquecendo do olhar horizontal que talvez explique mais a realidade que vivemos.

Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2003, o PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio) mostrou que o percentual de indivíduos cuja renda média familiar excedia R$ 1.000 caiu de 33,21% da população para apenas 31,29% desta, numa amostra bastante significativa do soterramento gradual desta fatia da população. Se utilizarmos dados do mesmo projeto da UNICAMP para abordar o período que vai de 1981 a 2002, incluídos agora dados sobre aqueles abaixo da linha de pobreza, veremos que estimadas 11,1 milhões de pessoas foram rebaixadas ou bloqueadas socialmente pela piora das condições gerais, o que corresponde ao crescimento populacional geral daquele período. Segundo estudos do mesmo grupo (“Folha de S. Paulo”, 14/11/2004), nos últimos anos a classe média brasileira teria perdido 1/3 de sua renda e, 2,5 milhões de pessoas perderam a condição de classe média.

Em contrapartida, o Governo federal “comemora” o aumento do consumo, pelo segundo ano consecutivo – 2005 - pela chamada Classe C (que ganha entre 4 e 10 salários-mínimos), aparentemente sem notar a relação entre este fato e outro, que qualquer cidadão que passeie pelo Centro de nossas cidades já reparou: a venda ilimitada de crédito. Tanto que as operações de crédito do sistema financeiro cresceram 1,1% no mês de fevereiro e atingiram total de R$ 615,6 bilhões, o que equivale a 31,3% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas no país (dados do Banco Central). No Estado do Rio de Janeiro, mais de 50% da população tem comprometida a metade de seus salários em pagamento de empréstimos (“O Globo”, março de 2006).

Numa época em que já se tornou fato corriqueiro trabalhar quatro meses por ano tão somente para pagar impostos e taxa, em que todos sabemos quem são os maiores beneficiários da política de altos juros praticada pelo Governo Federal, a agiotagem está definitivamente instalada e oficializada, e o seu uso é única saída para a sobrevivência da maioria de nós. Chega a ser paradoxal que o mesmo mecanismo que torna mais atraente operar no mercado financeiro que financiar produção esteja, na outra ponta da corrente, incentivando o consumo.

Ficam registradas aqui, na visão extremamente reducionista que o espaço permite, o retrato de uma política que não é de hoje - e sim resultado de décadas de desequilíbrio, bem como dados que nos permitem levantar suposições várias. O achatamento da classe média acarreta diminuição de sua capacidade produtiva, da oferta de empregos e do consumo (inclusos gastos com educação, cultura, lazer e saúde). Somente uma reforma tributária ampla e alinhavada com os vários segmentos da sociedade pode reverter este quadro, permitindo instalar no país uma verdadeira cultura capitalista. O aumento da oferta de crédito a amplas parcelas da população, se não acompanhado de uma redução drástica nas taxas de juros que permita o seu uso para viabilizar a abertura e manutenção de pequenos negócios, é falácia irresponsável que acabará por comprometer todo o processo de crescimento, lento porém sustentado, da economia brasileira.

Por fim, muito se fala na miséria como agente propulsor da violência, mas pouco ou quase nada sobre o papel da dificuldade de ascensão social pelo trabalho honesto na gênese da corrupção. Enquanto vivermos assim, estaremos sempre a criar oportunidades de – com o proverbial “jeitinho brasileiro” – transformar cada pequeno administrador, em especial da máquina pública, em um ser corruptível. Afinal de contas, “todo mundo faz”, “se eu não fizer, outro faz”, “se eu não fizer, posso não ter outra ocasião como essa para tirar o pé da lama, vou morrer pobre...”

É deste modo, no seio da classe média renegada e maltratada, que nascem os artífices da crise moral e ética generalizada por que passa nossa sociedade.


Blog EntryA Arte e a Voz de Bic RungaApr 30, '06 12:09 AM
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Descobrir novos artistas, selecioná-los ou descartá-los (por vezes à primeira audição) é tarefa cada vez mais simples com a possibilidade de acesso imediato à produção musical pela internet. Nossas coleções de discos, anteriormente ocupando espaços gigantescos ao lado de quase obsoletos “aparelhos de som”, hoje são contadas em gigabytes. Eu mesmo, feliz proprietário de um mp3 player da Dell com GB de capacidade, volta e meia tenho que “fazer uma limpa” para acomodar novidades, e por que não? Mais clássicos.

Em face desta facilidade de acesso outrora inimaginável a nós “music-freaks”, o apego ao conceito de “disco” como uma obra fechada e item colecionável contaminou-se com a velocidade da vida urbana moderna, em que arte e cultura perfilam-se cada vez mais descartáveis.

Por tudo isso, a descoberta e fruição de um “novo” artista que se revele mais que agradável, imprescindível, torna-se cada vez mais rara. Lembro-me de poucos nos últimos anos, assim de memória, talvez apenas Damien Rice tenha me pego tão “na veia”.

Falemos então desta artista neozelandesa de imenso talento, recordista de vendas na Oceania, ainda desconhecida do público brasileiro e que tem tudo para ser uma das vozes mais ouvidas do século. Jovem – tem apenas trinta anos – Briolette Kah Bic Runga é filha de um soldado Maori e de uma cantora de cabaré chinesa que se encontraram na Malásia durante a Guerra do Vietnam. Criada em um subúrbio de Hornby, NZ, Biccomeçou cedo, como baterista aos 11 anos de idade e violonista aos dezesseis.

Seu primeiro single, “Drive”, foi lançado em seu país em 1995 e abriu caminho para seu primeiro CD homônimo, que ganhou todos os prêmios da música neozelandesa no ano seguinte, foi sete vezes disco de platina e garantiu sua primeira turnê americana, em que abriu shows para Bonnie Raitt e Emmylou Harris por dois anos.

Em seu disco seguinte, “Beautiful Collision” (2002), Bic ultrapassaria o sucesso de crítica e os recordes de vendagem do disco anterior e se firmaria no mercado internacional, com a canção “Get Some Sleep” chegando aos “Top Ten” no Japão e Irlanda e fazendo sucesso na Inglaterra.

Compositora, letrista e produtora de seus próprios trabalhos, Bic passaria dois anos vivendo entre Londres e Paris antes de voltar à terra natal e reunir um time de craques para realizar, durante um mês de gravações ininterruptas, seu novo CD “Birds” (2005).

Gravado inteiramente na Mount Cecília House, uma mansão de Auckland construída em 1879, onde foi montado um estúdio capaz de abrigar uma dezena de pessoas durante o processo de registro dos “live takes” que compõe o álbum, “Birds” mostra uma cantora no auge da maturidade técnica e uma compositora/produtora que atinge a perfeição estética em quase todos os momentos. Menos roqueiro e baladeiro que os discos anteriores, com um pezinho muito sutil no jazz vocal dos anos 50, “Birds” é um daqueles discos que se ouve de novo, e de novo e de novo. Um espanto. Imperdível. Maravilhoso. Lindo de morrer. Não paro de ouvir. Tinha que escrever e compartilhar.

Coneça Bic Runga no Site Oficial.




Blog EntryCatolicismo filosófico?Apr 26, '06 11:41 PM
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Meu avô era um livre-pensador.

Criado na rigidez da doutrina Evangélica Reformada holandesa, Jacobus van Wilpe soube aproveitar também os privilégios de uma educação formal bastante abrangente, ainda que curta, nos quinze anos que viveu em sua Holanda natal.

Já no Brasil, o colono radicado em Carambeí viu inevitável o confronto entre sua alma questionadora e a rigidez dos dogmas de seus conterrâneos. Criticado pela não-observância do “Dia do Senhor”, mal-interpretado por sua visão bastante peculiar das escrituras, premido pela necessidade de buscar (melhor) sobrevivência econômica, foi dos primeiros a buscar nova vida em outro lugar.

Pai temporão – só aos quarenta e cinco anos veria nascer sua única filha – deixou a ela a decisão de optar (ou não) por algum tipo de credo. Achava que assim libertá-la-ia dos jugos e preconceitos a que foi submetido - retirados de sua pele como quem troca de casca, ao longo de uma vida inteira de estrita observância ao que considerava JUSTO, somente, sem apegar-se à nenhuma denominação religiosa. Sua esposa, filha de alemães e Luterana Evangélica, permaneceu assim, porém não-praticante, durante toda sua vida.

Minha mãe converteu-se ao Catolicismo Romano ao casar-me com meu pai, oriundo de família de origens mistas, brasileira e alemã. Nesta Religião eu fui educado, em suas Igrejas convivi com outros fiéis durante longos anos.

A decepção com o que Gustavo Corção chama de “vaidade essencial” presente “nos grupos de homens virtuosos, bem intencionados, bem comportados, que se unem para salvaguardar a sã doutrina e os bons costumes” fez-me tomar distância daquela fé que pequenino abraçara e vigorosamente sentira encher-se de razão em meu coração inquieto de adolescente.

Ganhei então o mundo: busquei livros, idéias, filosofias, crenças, descrenças, ateísmos. Através do Kardecismo reencontrei uma das facetas do Cristo, até então pouco conhecida por mim: a de ser humano real, inteligentíssimo (como agora anda na moda dizer, para vendê-lo como psicólogo, gênio ou empresário) e portador de uma filosofia de vida aplicável à vida prática.

Mais tempo se passou e vi que aquela imagem de Jesus como “um ser de luz”, um “espírito mais evoluído”, apenas, não me bastava. Reconverti-me, casei-me com alguém que comungava da mesma fé, usei desta no peito em forma de crucifixo que me marcou a pele de maneira definitiva.

Depois, nova decepção. Citando novamente Corção, aprendi que “O mundo é um lugar de mistura”. E que “A Igreja, estando no mundo, abarca provisoriamente esta mistura”.

Carrego comigo, contudo, um cabedal de conhecimentos e luzes à beira de uma estrada que não estaria lá, não fosse a influência de personagens essenciais como João da Cruz, Teresa D’Ávila e Teresinha de Lisieux. Chamo-a há tempos, esta estrada, de “catolicismo filosófico”, com todas as contradições que o termo possa conter. Defino-a para mim como a fé que carrego sozinho, isolado de meus semelhantes – que de mim só poderiam saber, hoje, as ações.

Descobri inda ontem que o termo já existia – é claro – e de quebra um pouco da história, das polêmicas, do estilo e da verve de Gustavo Corção, discípulo de Chesterton, seu maior expoente no Brasil. Lendo seu único romance, o recentemente relançado “Lições de Abismo” (Agir Editora, 2004) - em que a trajetória de um homem de encontro a si mesmo e à própria Morte - encontro o mesmo amálgama que conheci no supostamente ateu Jacobus van Wilpe. No livro, como nas idéias do artista e escritor que meu avô foi, Pascal, Freud, Voltaire, Marx e Jules Verne (para citar apenas uns poucos) têm um mesmo e único - valor noves fora pesos diferentes: fazem parte do mesmo anseio de entender-se o mundo e o ser humano de uma perspectiva mais sólida (conhecimento) e fluida (filosofia).

Já não me sinto tão só. Espero contudo encontrar, além da próxima curva ou esquina, novas perguntas feitas em pé, sob terreno sólido. É o mínimo que devo a mim mesmo e aqueles que semeiam, diariamente, suas idéias e reflexões em meu pensamento conturbado de cidadão do Século XXI.

FOTO: Acervo do Autor



Blog EntryA volta de House MDApr 14, '06 12:22 AM
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Bem, agora que a série reestreou no Brasil, acho que podemos voltar a falar de Dr. House e seus pupilos e pacientes... A propósito, imperdível mesmo é o segundo capítulo da segunda temporada, no ar semana que vem...
"Acceptance", House MD Season 2 Episode 01
"Autopsy" - House MD Season 2 episode 02


Blog EntryA Páscoa CristãApr 13, '06 7:40 PM
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A Páscoa Cristã

A expansão das reflexões filosóficas dos primeiros cristãos, associada ao surgimento de uma Igreja formal, entre os séculos I e IV AD foram responsáveis, inicialmente, pela formulação de uma doutrina básica, iniciática, do Cristianismo - não sem inúmeros “rachas” e dissensões que passariam a atender pelo nome coletivo de “heresias” ao longo dos mais de mil anos que separam este período da diáspora da Reforma Protestante.

Dentro desta doutrina básica, “aperfeiçoada” esporadicamente por Concílios, Éditos e Bulas Papais, sempre houve espaço para a imitação dos ritmos da natureza e dos costumes do Homem no calendário católico. Tanto que, ao longo da História, vemos a Igreja adaptar peculiaridades de cultos pagãos à sua própria mitologia (por exemplo, abraçando a “Festa do Sol” germânica como a data de celebração do Natal), promovendo ela própria todo tipo de sincretismo de que hoje, conhecido e colonizado todo o planeta, quer se distanciar.

A celebração de festas judaicas, como o Pessach – celebrado no primeiro domingo após o dia 14 de Nissan - foi mantida pelos cristãos primitivos, especialmente os judeus convertidos, mais como um costume do qual era difícil livrar-se do que por razões canônicas.

As próprias contradições evangélicas contribuíam para a dissociação do evento em relação à Morte e Ressurreição de Cristo (por exemplo: São João coloca Cristo morrendo à hora do martírio dos cordeiros pascais, depois de uma celebração antecipada da festa, ao contrário dos outros evangelistas que O põe na Cruz após a celebração do Pessach mesmo, na assim chamada “Última Ceia”, numa assincronia pouco explicada). A “Páscoa de Cristo” e toda a rede de interrelações semióticas entre Jesus e o Cordeiro, a “passagem” dos judeus e a travessia de Cristo para e de volta do mundo dos mortos, eram abstrações que só seriam perfeitamente assimiladas depois.

Naquele momento de choques intensos entre as várias interpretações históricas e evangélicas, a “controvérsia pascal” só seria resolvida pelo Concílio de Nicéia (325 AD), que desvinculou definitivamente a Páscoa Cristã do Pessach Judaico, não só em termos semiológicos e místicos, mas também em relação ao cálculo de sua data.

Um cálculo bastante complicado baseado no calendário lunar (como o judeu) - e não no solar (como os calendários Juliano e Gregoriano) - permite estabelecer uma das várias datas prováveis para a Páscoa da Igreja Ocidental (sempre entre 22 de Março e 25 de abril). Desconhecido da maioria dos mortais, o cálculo desta data foi objeto de estudo até mesmo de grandes matemáticos - como Carl Friedrich Gauss, que fez uso de algoritmos para melhor defini-lo.

Em um Congresso em 1997 (Aleppo, Síria), o Concílio Mundial das Igrejas propos uma reforma no cálculo da data da Páscoa, baseada doravante em calculus astronômicos diretos que eliminariam as diferenças de data entre as Igrejas Ocidentais e Orientais, reforma esta que deveria ter começado a ser implementada a partir de 2001, mas até o momento não foi adotada por nenhuma das igrejas representadas.

Enquanto isso continuamos nós, cristãos do mundo todo, a pensar nos feriados ao fim do primeiro terço do ano mais como uma celebração de consumo, naufragados entre ovos de chocolate ou verdadeiros, pintados, entre novos mitos como coelhos e novos costumes como a troca de presentes, numa verdadeira elegia à fagocitose do espiritual pelo Capitalismo.

O sentido real disso tudo, desta festa oriunda de tantas histórias relembradas e esquecidas, continua obscuro a aqueles que têm fé – mas carecem de entendimento histórico; continua muito claro a aqueles que acreditam em dogmas – mas não possuem a largueza de espírito para refletir realmente sobre o que estão celebrando; e ameaça – como o Natal - tornar-se apenas mais um feriado para aqueles que não acreditam, mas apreciam os festejos e a suposta integração social e familiar oriunda deles. Afinal, até em países como a China e o Japão – tradicionalmente não-cristãos – a Páscoa tem sido comemorada...

Meus votos são, enfim, de uma Feliz Páscoa:

  1. Para os que têm fé: que procurem o entendimento filosófico e histórico da data, a fim de melhor celebrá-la.
  2. Para os que só possuem o verniz da religiosidade: que busquem, nestes dias, crescer na fé.
  3. Para o resto dos mortais: que chafurdem no melhor chocolate que seu dinheiro puder comprar. Depois do bacalhau, é claro. E com muito prazer!




FOTO: "O Cristo", Renato van Wilpe Bach, 2002



Blog EntryMônica, minha vida, meu amor...Apr 12, '06 12:28 AM
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"Love is real, real is love,
Love is feeling, feeling love,
Love is wanting to be loved.
Love is touch, touch is love,
Love is reaching, reaching love,
Love is asking to be loved.
Love is you,
You and me,
Love is knowing,
We can be.
Love is free, free is love,
Love is living, living love,
Love is needing to be loved."

(John Lennon's "LOVE")

Parabéns pelos quatro anos juntos!!!

Teu Urso!

Blog Entry"Guardar seus risos como quem guarda botões"Apr 11, '06 11:47 PM
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"Teria eu uns doze anos quando um dia me assaltou a mente, com particular relevo, a idéia de que o mundo já existira sem mim. Essa idéia é aparentemente trivial (...) Mas o caso é que eu, de repente, achava muito esquisita essa idéia tão simples.

(...) para isso era preciso, além da hipótese da poesia, uma outra hipótese mais grandiosa: a de que houvesse no mundo uma imperiosa necessidade de que eu fosse. Mais tarde, quando perdi o senso metafísico da infância, e me extraviei no mundo dos fenômenos, pareceu-me que o universo era um maquinismo sem acasos. cheguei a pensar que já havia alguma coisa de mim na primitiva e ardente nebulosa. Consignei a idéia em soneto. Era mister que fosse, antes de ser. Estava na ordem do mundo, na obrigação da ordem do mundo, que eu nascesse. Havia empenho, nas moléculas, nos átomos, nos eléctrons, de se agruparem disciplinadamente no corpo do(a) menino(a) que ia nascer...

Mas aos doze ou treze anos este determinismo ainda não me surgira (...) Ficava-me então, como hoje me fica (...), esse sentimento de desamparo, onde meu nascimento tem qualquer coisa de inaugural, de imprevisto, de gratuito, que (...) me deixa a consciência boquiaberta."

("Lições de Abismo", Gustavo Corção, 1896-1978)

Que possamos, Mônica e eu, como diria o autor deste belíssimo texto (mal-cortado e mal-ajambrado por culpa deste que vos fala), "guardar seus risos como quem guarda botões, porque era preciso que alguém guardasse o que todos perdiam."


O diretor Brian Dannelly (da fantástica série "Weeds", que aqui passa no GNT) tem a resposta.

Seu filme "Saved" (2004, portanto anterior à série, que estreou no ano seguinte), ganhou minha atenção e meu aplauso nesta noite apesar do codinome ridículo em português ("A Galera do Mal", na programação do Telecine Premium). Cercado de gente muito boa como Michael Stipe - líder do REM e co-produtor), as belas Jena Malone e Mandy Moore e Mary-Louise Parker, Dannelly ainda conseguiu uma excêntrica participação do "sumido" Macaulay Culkin (que rouba a cena como de hábito).

Tudo isso para falar de uma comédia adolescente como nenhuma outra, simples, (ab)usando de clichês surrupiados de outros filmes sobre a vida colegial americana, porém ácido e contundente em sua crítica à uma América cada vez mais conservadora, (pseudo) religiosa e maniqueísta.

O "WWJD" ("What Would Jesus Do?" ou "O que Jesus faria?") lá em cima se refere à campanha maciça de "divulgação" da "palavra de Deus" promovida por uma organização comercial americana (tem CEO e tudo, entre no site e verá!) , que desde 1996 vem vendendo toda espécie de quinquilharia "sagrada" aos incautos porém ricos cristãos adolescentes (ou nem tanto) dos EUA. É apenas a ponta do iceberg em um mercado que inclui livros didáticos e doutrinários, shows e bandas de rock "cristão" e atividades missionárias e atividades afins, de comum acordo e apoiadas por inúmeras denominações protestantes da América.

Seu objetivo? Cooptar e fanatizar uma nova geração de Bush-puppies? Não chega a tanto, uma vez que a eleição de Mr. Dabliu é posterior ao fenônemo. Mas a aceitação crescente de pais e filhos a esta radicalização catequética da fé no país faz-nos refletir sobre o futuro da "grande nação".

Gays, drogados e mães solteiras "tratados" da mesma forma em "Casas da Misericórdia" (ou seja lá o nome real da coisa) é uma palhinha do impressionante quadrto pintado pelo filme, onde uma garota grávida (vivida por Malone) encontra em sua comunidade "cristã" tudo, menos o discernimento e o apoio necessários. A hipocrisia dos fanáticos esmurrando o próprio peito em nome de uma fé auto-infligida esbarra no filme com a realidade doce, pujante e nada fácil de entender de adolescentes normais, vivendo seus conflitos e repetindo - quase sem querer - os mesmos padrões de comportamento que em outros filmes sobre a faixa etária são chavão: a loura boazuda e "popular", os "losers", os "freaks", etc.

Dannelly trata do tema com sensibilidade e sem culpar ninguém - afinal, Deus/Jesus ama a todos, não? - mas com a seriedade e preocupação que o tema merece. Um filme obrigatório para quem habita o estado do Brasil que corre o mais sério risco de albergar estas "casas correcionais" doutrinárias e antidemocráticas, como já proposto pelo casal governante em mais de uma ocasião.

Ah! Para você que achou o tema meio hermético e distante de nossa realidade, fique sabendo que as pulseiras plásticas amarelas com a inscrição "LiveStrong" da Nike, produzidas a pedido do velocista Lance Armstrong, são o carro chefe da WWJD...

Leia mais em:

Citações da comédia

Christian Students

Abaixo: fotos do filme.




"Wolves of Calla" / "Lobos de Calla" é o quinto tomo da magnífica série assinada por Stephen King, um dos escritores mais populares, bem-sucedidos e produtivos do mundo na atualidade.

Como bem avisa o próprio autor na introdução a este volume, concluído em 2002, não se deve iniciar a leitura da série por ele. "A Torre Negra" é um mesmo livro, dividido em partes por razões pessoais (como a interrupção da seqüência após o grave acidente que quase lhe custou a vida em 1999), editoriais (os últimos livros têm mais de 700 páginas!) e mercadológicas (uma vez que a ânsia dos leitores por conhecer o final da saga jamais suportaria espera maior - que o digam as cartas que King recebeu durante sua longa convalescença, pedindo em doses iguais por sua saúde e pela conclusão da história).

Primeiro livro concluído após a recuperação do autor, "Wolves of Calla" / "Lobos de Calla" é, depois de "Wizard and Glass" / "Mago e Vidro", o ajuste necessário que conecta pontas de histórias aparentemente desconexas nos capítulos anteriores. Marca também, um período de encontros, conflitos, desafios e amadurecimento dos personagens, em um desenrolar magnético de acontecimentos que ora fortalecem, ora ameaçam a unidade do ka-tet.

Ao retomar a influência confessa dos filmes de faroeste (com direito a agradecimentos a Sérgio Leone no final), King expande os limites da história - ainda um imenso caldeirão de influências culturais - ao mesmo tempo em que dá aos personagens um foco mais definido e crível. Reafirma uma cultura e uma mitologia própria, já ensaiada no volume anterior - a meu ver até agora o melhor deles. E nos clama a pedir "socorro e ajuda", como os habitantes do pequeno vilarejo de Calla, aos fantásticos Pistoleiros de sua criação.

Avançamos no khef. E queremos mais.



Leia mais sobre a série em "A Cadeira no Penhasco":

Medo num punhado de pó OU Impressões a respeito da série "A TORRE NEGRA" de Stephen King

"MAGO E VIDRO" ("The Dark Tower IV: Wizard and Glass"




Leia mais sobre a série na web:

Site oficial

The Dark Tower Compendium

Wikipedia



Arte de Bernie Wrightson (baseada em "Wolves of Calla")


Blog EntryO imortal Josué Montello e sua coroa de areiaMar 27, '06 3:59 PM
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Tornou-se eterno, semana passada, aquele que já foi o mais jovem “imortal” da Academia Brasileira de Letras: Josué Montello. Deixa um vazio irreparável nas Letras Brasileiras, não só pela vastidão de seu legado como pelo valor cultural incalculável de sua contribuição como jornalista, professor, romancista, cronista, ensaísta, roteirista, historiador, orador, teatrólogo e memorialista que foi.

Nascido em São Luís do Maranhão em 21 de agosto de 1917, ao ser eleito para a Cadeira n. 29 da ABL aos 37 anos, Montello parecia coroar uma carreira marcada pela genialidade e reconhecimento precoces. Carreira esta absolutamente plural, onde aos ofícios já citados convém juntar os cargos de Diretor-Geral da Biblioteca Nacional – que recuperou, ampliou e modernizou; reformador do ensino público no Maranhão; Professor de Língua Portuguesa em Universidades no Peru, Espanha e Portugal; subchefe da Casa Civil do Presidente da República no governo JK; conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris e embaixador do Brasil junto à UNESCO. De janeiro de 1994 a dezembro de 1995, presidiu a Academia Brasileira de Letras e reformou sua sede.

Uma vida em constante ebulição. São tantos os encargos assumidos, funções realizadas, prêmios recebidos, profissões exercidas – que não vale a pena mais que citar fontes que falem delas em detalhe, pois aqui, o que se quer relembrar é o romancista.

Um romancista sem igual na História da Literatura Brasileira, diga-se de passagem, um Romancista com maiúsculas. Pois por mais que haja inúmeros outros excelentes artífices desta palavra portuguesa por nós abrasileirada (o “pai” Machado de Assis e os mestres Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo e Jorge Amado – só para citar os mais célebres), por mais que haja inúmeras obras-primas isoladas, além da obra desses “monstros (con)sagrados” (vide obras como a “Lavoura Arcaica”, “A Casa Assassinada”, “Lições de Abismo” – só para citar três, Nassar, Lúcio e Corção); Josué Montello dominava a técnica do romance como ninguém.

Escrevia sobre tudo, com temas que variavam de um romance para outro com a mesma desenvoltura: do memorial ao romance histórico, do semi-policial ao suspense, do regional ao internacional. E repito, escrevia bem não somente porque era culto e inspirado, mas porque conhecia e dominava a técnica do romance como ninguém. Como um estrangeiro: tivesse nascido americano, escreveria best-sellers e alta literatura a um só tempo, roteiros de filmes, musicais da Broadway e pulp-fiction, romances históricos e filmes noir.

Homem que soube unir a vasta cultura adquirida aos predicados da terra em que nasceu e viveu até a juventude, JM possuía aquela fluidez que todos os escritores almejam, aquela erudição que escolhe a palavra certa, porém nunca a mais difícil; aquela capacidade de escrever personagens em alto-relevo - que teimam em saltar de suas páginas, reais que são, e povoar nosso dia ou nossos pesadelos; aquele vislumbre do gênio que encerra toda uma época em uma imagem, e a deixa lá, fazendo de conta que não foi por querer.

Nem vou falar dos livros, muitos, ou dos romances. Cito apenas três, duas apostas certas e uma ousada, todos do seu ciclo mais produtivo: “Os tambores de São Luís” (sua obra-prima, de 1975), “Noite sobre Alcântara” (1978) – os consagrados – e a minha pequena ousadia: “A coroa de areia”.

Este, um romance considerado “menor”, de 1979, contém em seu enredo elementos tão díspares quanto o romance de formação, ao mostrar os primeiros anos do protagonista em São Luís, o romance de amor, em seu interlúdio, o thriller, ao narrar as desventuras da esposa do protagonista no Rio de Janeiro e o romance político, ao denunciar os desmandos da Era Vargas. Pretensão e simplicidade que, ao serem plenamente atingidas, conferem a marca do gênio em qualquer obra.

Vá lá, põe aí também “O Cais da Sagração” (1971) e já são quatro. Ou todos os outros. Mas leia. Não deixe de ler Josué Montello, um dos maiores romancistas brasileiros do Século XX - quiçá o mais técnico e profícuo. Descanse em paz, Mestre.

LINKS:

Pequena Biografia

Casa de Cultura Josué Montello

Repercussão na Itália

A Morte no cais da sagração



Acho que o país ainda não ouviu o recado de Sérgio Bianchi, cineasta paranaense radicado em São Paulo. Ou, pelo menos, não lhe deu a devida importância.

São três os seus longas mais conhecidos: o subestimado “Romance” (1988, co-roteirizado por Caio Fernando Abreu e Prêmio Bizz de Melhor Filme em 1989), o improvável cult-movieCronicamente Inviável” (2000, prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte e do Festival de Locarno) e o recente “Quanto vale ou é por quilo?” (2005).

O primeiro é bastante tosco - finalizado sob o peso das mudanças políticas que levariam ao fim da Embrafilme – mas as características básicas do cinema de Bianchi já estão lá: o misto de documentário e ficção, o uso de atores e não-atores, a crítica social engajada e por vezes panfletária. É seu filme mais diretamente político e pessoal, rodado parcialmente em Curitiba, e acompanha uma jornalista paulista que busca desvendar o assassinato de um deputado paranaense e acaba envolvida numa trama insólita que mistura homossexualismo e corrupção.

Cronicamente Inviável” é seu filme mais contundente e bem acabado. Do roteiro à edição, dos atores à fotografia, Bianchi realiza no Brasil um expurgo das mazelas e hipocrisias nacionais, abertas como a ferida na perna de seu protagonista (um velho professor), tornadas invisíveis pela cegueira de todos nós, que não queremos enxergar. O filme é uma espécie de “Anna dos Seis aos Dezoito” ("Anna: Ot shesti do vosemnadtsati" - 1993), clássico documentário do russo Nikita Mikhalkov, que passa a limpo a história do fim do império soviético; com uma diferença fundamental: o ambicioso Bianchi perfaz um corte transversal, de norte a sul do país, enquanto seu colega russo prefere a longitudinalidade do tempo. Ambos prestam, com seus filmes-denúncia, imprescindível serviço ao público de suas nações: o de informar com opinião.

Adaptação livre de um conto de Machado de Assis ("Pai Contra Mãe"), utilizando-se ainda de algumas crônicas de Nireu Cavalcanti como inspiração, “Quanto vale...” tenta traçar um paralelo entre a vida no Brasil durante o período da escravatura e a atualidade, tendo como alvo principal, desta vez, as organizações não-governamentais que fazem da exploração pobreza uma nova forma de comércio.

Panfletário, exagerado, intencionalmente artificial (ou não), “Quanto vale...” não tem a acertada dose de comédia (de humor negro), irreverência e denúncia política do filme anterior. Falta-lhe também ritmo, elos mais claros que facilitem o saltitar de uma história para outra ao longo do filme, uma unidade maior que o torne mais palatável. O que se vê na tela é mais um trailer do que o filme poderia ter sido do que uma obra acabada.

Nem por isso se deve deixar de assisti-lo. Por sua capacidade ímpar de caracterizar os maus hábitos da sociedade brasileira, Sérgio Bianchi faz um cinema que incomoda, esmurra o estômago, traz náusea e desgosto para dentro de nossas cabecinhas menos perceptivas. Por isso mesmo, o cara deveria ser reconhecido (e tratado) como um patrimônio nacional da coragem, como um ícone da “contracultura” (num sentido bem amplo), como a necessária mosca, que ao pousar em nossa sopinha diária de pequeno-burgueses, estraga nosso bem estar ilusório ao descortinar um país que teimamos em não querer ver, encastelados que estamos por força da rotina diária de trabalho incessante (“escravo?”), violência e pequenos delitos urbanos.

É. O Brasil de Sérgio Bianchi, o bravo e corajoso Sérgio Bianchi, pode não ser “o” real, nem o único, pois seu cinema parte de uma visão bem particular. Mas é o retrato mais fiel, até o momento, da crise moral que corrompe todos os estratos sociais da nação.


Citação:

"O que vale é ter liberdade para consumir, essa é a verdadeira funcionalidade da democracia".


Links


http://www.comciencia.br/resenhas/2005/07/resenha1.htm


http://www.brazilindavis.org/blog/archives/003183.html



Em tempo: Sérgio Bianchi é filho de Rauly, primo de meu avô Oscar, conhecido fotógrafo da cidade natal que compartilhamos: Ponta Grossa. Foi no centenário estúdio de seu pai – depois levado adiante com brilhantismo por seu irmão Raul - que foram tirados meus primeiros 3x4, assim como tantos outros ao longo da vida. Há alguns anos, encontrei Raul por acaso numa visita ao Paraná, e conversamos longamente sobre o sucesso de Sérgio e de seu “Cronicamente Inviável”, de como ele conseguiu, com estratégias bastante pessoais e inteligentes, “vender” aquele filme “invendável”, e transformá-lo no fenômeno “underground” que ocupou salas de exibição no país todo por mais de dez meses em 2000/2001. Foi a última vez que tive a oportunidade de contar com sua conversa agradável, culta e espirituosa.

Este artigo é dedicado a estes primos.



Blog EntryA Cadeira no Penhasco Mar 14, '06 2:09 PM
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A “Cadeira no Penhasco” faz alusão a uma reentrância na rocha de um penhasco da ilha de Guernesey, localizada no Canal da Mancha, onde Victor Hugo ficou exilado durante o Segundo Império francês e escreveu sua maior obra ("Os Miseráveis", 1862).

Em seu romance seguinte, "Os Trabalhadores do Mar" (1866), protagonizado por Gilliat e sua amada Déruchette, a Cadeira Gild-Holm-Ur é para onde o primeiro se retira para sonhar em frente ao mar, sob o perigo de ser apanhado pela alta da maré. É também ponto de partida de sua guerra particular contra a vida e a desigualdade social, pelo amor e pela auto-superação; e ponto de chegada de sua trajetória indescritível – misto de aventura e épico, onde a luta do Homem contra os Elementos tem sua máxima expressão na Literatura Ocidental.

Muitos têm V.H. como um exemplo de literatura superada, arcaica e romântica demais para esta era de videoclipes, mensagens instantâneas e internet a cabo. Parte de sua obra continua viva, contudo, nas repetidas adaptações teatrais e cinematográficas de “Os Miseráveis” e de “O Corcunda de Notre Dame”. Esquecem-se os primeiros do sucesso inenarrável de sua trajetória como romancista, poeta e agitador político na conturbada França do Século XIX, da celeuma em torno de suas exéquias em “solo sagrado” ao morrer em 1885 (uma vez que, além de não ser católico, havia dedicado parte de sua vida ao estudo do espiritismo e negara-se a receber os últimos sacramentos), dos mais de um milhão de franceses que acompanharam seu cortejo fúnebre no que foi chamado de “maior enterro da História”.

No entanto, detenho-me na “Cadeira” (cujo nome, derivado de língua celta ancestral, significaria “quem-dorme-morre”) por várias razões. Excetuando-se os animais de fábulas diversas, o Hades da lenda de Orfeu, os moinhos do Quixote de Cervantes ou o Inferno de Dante, a Cadeira Gild-Holm-Ur é talvez o primeiro “personagem” não-humano de um livro de ficção. Talvez toda a ilha de Guernesey - Éden arcaico e supersticioso onde V.H. sofreu e superou os traumas da bem arquitetada expulsão de seu país - mas especialmente a Cadeira.

Presente no romance como amálgama de todas as lendas da região, espécie de porto para as andanças (terrestres e marítimas) de Gilliat, ela representa todos os momentos, na vida de qualquer um, em que se faz necessário enxergar a vida do alto. Naquelas pequenas ilhas, tidas hoje como verdadeiros paraísos – exemplos de cidadania responsável e lassidão, ausência de grandes impostos e criminalidade – um homem se encontra com seu destino. Sentado numa saliência na rocha, localizada sobre um fiorde de vista belíssima (reza a lenda que, em dias claros, de lá se enxerga a costa britânica), é da Cadeira que o herói de V.H. reflete sobre sua vida pregressa, planeja sua ação de resgate do motor a vapor de um navio encalhado (propriedade do pai de sua paixão platônica) e enxerga os meios pelos quais ascenderá socialmente para poder desposá-la. É lá também que se liberta de sua condição humilde, deixa a alma transpor os limites da imaginação e encontra forças para ousar tarefa hercúlea e solitária.

Obviamente, tarefas “hercúleas e solitárias” não combinam com sucesso, e Gilliat sucumbe ao final da missão: é tragado pelo mesmo mar que tantas vezes avistou de seu ponto privilegiado de observação. Mas não, se o leitor não passeou pelo livro, não me queira mal por contar-lhe o final. Nada pode tirar prazer de refeição sabidamente saborosa por saber-se de antemão saciado. Não deixe de ler o livro por isso.

Concentre-se na metáfora, permaneça na cadeira ainda um pouco mais. Veja a vida do alto, enxergue os horizontes escondidos que as colunas de concreto que sustentam sua vida urbana o impedem de enxergar. Com o devido distanciamento crítico, permita-se fugir durante alguns momentos, esquecer de suas limitações, buscar o inalcançável nem que seja meramente em sonho. Permita-se sonhar – mas não durma. O ciclo das marés diuturnas pode pegá-lo desprevenido. Confie nos velhos e no povo e nas antigas superstições: pontos de parada são necessariamente pontos de partida, donde saímos renovados e confiantes, embora jamais saibamos o que o futuro nos traz.

Numa imagem belíssima, antítese de uma obra voltada para eventos que ocorrem externamente, alheios à vontade do Homem – não nos esqueçamos que estamos a décadas do romance psicológico - V.H. brinda-nos com palavras imortais:

A nossa pupila diz que quantidade de homens há dentro de nós. Afirmamo-nos pela luz que fica debaixo da sobrancelha. As pequenas consciências piscam o Olho, as grandes lançam raios. Se não há nada que brilhe debaixo da pálpebra, é que nada há que pense no cérebro, é que nada há que ame no coração. Quem ama quer, e aquele que quer relampeja e cintila. A resolução enche os olhos de fogo; admirável fogo que se compõe da combustão de pensamentos tímidos.”



(Alguns amigos não estavam conseguindo acessar esta matéria, publicada originalmente no jornal "O ESTADO DO PARANÁ" em 12.03.2006, através do link, por isso resolvi disponibilizá-la aqui tb.)



1. Não tente ser original. Só existe uma comédia romântica: a mesma de sempre. Os personagens variam, as locações, os temas e subtemas, mas a história é sempre a mesma: mulher/homem, nem-tão-jovem/balzaquiana(o)/coroa, com problemas em relacionamentos passados, mas ainda ingênua(o) a ponto de acreditar em contos-de-fada do tipo par-perfeito/príncipe encantado encontra mulher/homem, nem-tão-jovem/balzaquiana(o)/coroa, com problemas em relacionamentos passados, porém pragmática(o) ou sacana o suficiente para desistir-de-tudo-isso-e-curtir-a-vida-com homens/mulheres errados; ou vice-versa (depende de quem é o protagonista). Allternativa: um encontro entre dois tipos iguais, extraídos dos exemplos acima. Não ouse mudar isto, ou não será exatamente uma comédia-romântica.

2. Coloque o casal-em-potencial numa das seguintes situações sexuais:
- um "no osso" e outro na esbórnia;
- ambos "no osso".
OBS: ambos na esbórnia não é comédia-romântica, é comédia PICANTE.

3. Coloque-os bem próximos, mas torne-os cegos às virtudes do outro. Como contraponto, cerque-os de outros seres humanos sensuais, bonitões e de mau-caráter, vestidos em pele-de-cordeiro. Faça os protagonistas irem para cama com eles - pelo menos um dos protagonistas. Antigamente este papel cabia ao homem; hoje em dia é mais "muderno" fazer a protagonista feminina ir para cama com outro, afinal, os homens é que não sabem mais nada de sexo e romance. Como, afinal, estes são filmes feitos para mulheres...

4. Invente uma série de situações embaraçosas que acabem por atrair o casal. Depois invente outra série de situações embaraçosas que acabe por distanciá-los novamente. Quando a coisa começar a encher o saco, bote um pouco de ciúmes na jogada. É o momento em que um deles já descobriu que ama o outro. Só que o outro não sabe. Ou não quer. Estamos chegando ao anticlímax "tenso" que precede o final feliz.

5. Não capriche muito nos personagens secundários: eles estão ali só para encher linguiça. Sua única função é ser platéia para o momento mágico em que desvendarão a "verdade" para o protagonista. Um amigo ou amiga gay bem resolvido(a) está na moda.

6. Capriche nas locações, nas panorâmicas, nos jantares luxuosos. Uma cidade "fotogênica" (NY e Paris são "all time favorites) vale o ingresso.

7. Capriche também nas piadinhas cretinas sobre pretendentes gordos, carecas, magros ou nerds demais. Assim você deixa claro a gordos, carecas, magros ou nerds demais que eles /elas não têm chance alguma. Isso os fará chorara tanto com o "final redentor, humano e otimista" do filme, que nem se lembrarão de terem sido gozados. (Recente comédia romântica brasileira mexeu com... pretendentes anões! É, os roteiristas em busca da fama não perdoam ninguém...)

8. Invente um nome bem bobo como título para a película. Quanto mais doce melhor, tipo "Amor em Irajá" (lugares famosos são certeiros) ou "Outono de Paixões" (estações do ano também). Se você for um roteirista/diretor ousado, pegue um detalhe absolutamente insignificante do enredo que possa chamar a atenção (exemplo perfeito: o recente "Must Have Dogs", com John Cusack e Diane Lane - os cachorros são absolutamente dispensáveis).

9. Deixe a "descoberta" de que tudo foi um engano, de que "o amor é lindo e vencerá" para o final. SEMPRE. Ninguém quer saber o que acontece DEPOIS que os pombinhos se casam. É assim desde a época da "Cinderela". E se não for, a cena principal de qualquer comédia-romântica não acontecerá: A CORRIDINHA DO AMOR! Pode ser de carro, a pé, de charrete em Londres, de barco em Paris - até uma NADADINHA DO AMOR(!) aconteceu outro dia num filminho desses - de qualquer jeito. MAS TEM QUE TER. Com o mocinho ou a mocinha gritando desesperadamente o nome do outro numa situação limite - tipo entrando num barco, ou num avião, ou indo embora da cidade... Se os pombinhos ficam juntos é só por causa de uma fraçao de milésimo de segundo. Um tisco a mais e babau!

10. Termine o filme com um beijo em close, dado no meio da rua, do trânsito, em praça pública ou num lobby de hotel: o importante é a câmera se afastando devagar, descrevendo circunvoluções em slow motion, afastando gradativamente do casal até o fade out final (para quem não sabe, é quando a tela vai escurecendo gradativamente para dar lugar aos créditos.


OBSERVAÇÃO IMPORTANTÍSSIMA: mostre copiões prévios do filme, com edição tosca, a donas-de-casa, domésticas, velhinhas, crianças e outros grupos "de opinião". Só sossegue quando TODOS gostarem!!! Aí, é sucesso na certa - bem, pelo menos sua namorada ou mulher vai pegar aquele filme na preteleira da locadora e falar: "Queria ver este filme, dizem que é tããão bonito (suspiro!)..." Como não é você que vai decidir...




Blog EntryColuna no Estado do ParanáMar 12, '06 10:45 AM
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Minha coluna de estréia no jornal "O Estado do Paraná" pode ser lida online (após cadastro) no link abaixo:
A Cadeira no Penhasco

Blog Entry12 mmMar 9, '06 6:32 PM
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Hoje descobri um destino.

Novo. Completamente novo.

Talvez não tenha sido “hoje”,

Exatamente,

Uma vez que já sabia estar lá.

Talvez não seja um “destino”,

Exatamente,

Uma vez que foi escolha livre:

Madura

Consciente

Fruto da Felicidade

e da Consistência

e do Amor.

Foi uma “descoberta”, porém.

Talvez em nome da música

Ultrassônica

Que formou a Imagem

Que meus olhos treinados

Souberam ver.

Talvez em nome do Espanto

De te ver tão pequeno

Ali

No ventre amado

No nicho preparado para ti há milhões de anos

Na esperança desperta

Novamente

Em doze milímetros de gente.



Blog EntryA Cadeira no Penhasco – AgradecimentosMar 8, '06 6:16 PM
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“A Cadeira no Penhasco” foi o primeiro nome que me veio à cabeça quando pretendi sintetizar minha idéia de blog. Primeiro porque acreditava que um blog jamais poderia ser voltado para o próprio umbigo – e este título resumia um desejo de “ver o mundo do alto”, de adicionar à minha opinião outras vozes, outros ideais. E nisto o Multiply mostrou-se uma ferramenta extremamente prazerosa. Em segundo lugar porque sou, desde criança, admirador confesso de Victor Hugo, o escritor francês que nos legou, entre outras obras-primas, um de meus livros favoritos, daqueles que se lê e relê ao longo da vida: “Os Trabalhadores do Mar”. Nele, uma “cadeira no penhasco” é espaço de meditação e reflexão do protagonista ao se preparar para a ação.

E por que falar nisto agora? Para anunciar, com extremo prazer, que, graças à ajuda inestimável de minha amiga Célia Cunico (editora e agitadora cultural curitibana) e de Francisco José Z. Assis, Diretor de Redação de “O Estado do Paraná”, estaremos a partir do próximo dia 12 de março colaborando com o jornal.

Enfim, “A Cadeira no Penhasco” passará a ser uma coluna quinzenal, publicada aos domingos, como parte integrante do suplemento cultural do cinqüentenário matutino paranaense. A todos os amigos, especialmente a Célia e Francisco, a meu pai Ariel e a minha esposa Mônica, pelo apoio incessante, o meu muito obrigado.

Ah! A coluna poderá ser acessada também a partir do portal “Paraná Online”, na aba “Colunistas”. Basta se credenciar gratuitamente.



Blog EntrySobre o Carnaval e quem não gosta de samba...Mar 1, '06 10:52 PM
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Debato-me incomodado pelas afirmações - invariavelmente repetidas nesta época do ano – de que “o Carnaval não é mais o mesmo”, “antigamente era mais espontâneo”, “virou ‘macumba pra turista’”, etc; de que o Sambódromo tornou os desfiles mais frios, de que depois da Beija-Flor inovar com o luxo de Joãozinho Trinta nos anos 70 não houve mais nada de novo, depois do “Carnaval de Palha” da Vila Isabel (Kizumba – Festa da Raça) nos anos 80 não houve mais inovação, etc, etc de novo.

Por isso senti-me confortado com o artigo de Zuenir Ventura n’O Globo de sábado (de Carnaval!) exaltando, não necessariamente nesta ordem: o conforto do Sambódromo, a tacada certeira da construção da Cidade do Samba (utilizando velhos galpões do Porto do Rio, pertinho da Sapucaí) – que possibilitou a utilização dos galpões originais de várias escolas como quadras (a Vila Isabel, campeã, por exemplo, não tinha quadra até ocupar seu espaço na Cidade), e a imensa e renovada criatividade dos carnavalescos das Escolas do Grupo Especial.

Da mesma forma, digna de nota foi a coluna do sempre antenado Artur Dapieve na véspera, comentando sobre a “resistência do samba” e perguntando: “resistência” à quê?, quando Zeca Pagodinho é o música mais comprado, vendido e disputado do país, quando CDs de samba vendem como nunca, quando a Lapa ferve todo final de semana não importa quantos novos bares de samba, chorinho e outros ritmos brasileiros se abram, no único lugar onde o Rio ainda tem vida noturna?

Bingo! Parecia que Dapieve estava prevendo: é quase uma unanimidade que este foi o maior e melhor Carnaval do Rio nos últimos anos! Muitos blocos reuniram dezenas de milhares de pessoas, assustando até seus próprios organizadores, que não sabiam como dar conta de tanta gente – só o “Cordão do Bola Preta”, o mais tradicional da cidade, ressuscitou a manhã de sábado no centro com qualquer coisa entre 150 e 200 mil pessoas!!! Em cada esquina parecia nascer um novo bloco, uma nova festa, um pagode, um batuque...

Já quanto ao Desfile das Escolas de Samba, “quem não gosta de samba bom sujeito não é”. Sorry, amigos não-foliões, não é nada pessoal. O cara pode até não gostar. EU mesmo não era o maior fã. Achava bonito, acompanhava pela TV para ver as peladonas quando era adolescente, gostava da Mangueira pela história e pela tradição. Assisti meu primeiro desfile ao vivo em 2003, quando já morava há dez anos no Rio e garanto: deveria ser um dever cívico de cada brasileiro estar lá, ver de perto o que este povo consegue fazer, pelo menos uma vez na vida.

Porque é lindo e emocionante, sempre – como em 2004, quando pela primeira vez se permitiu o resgate de sambas-enredo do passado, até de outras escolas; como neste ano em que, pela (minha e humilde) ordem, brilharam intensamente a Mangueira (esta, especialmente, realizou o desfile mais bonito que já vi), a Beija-Flor, a Unidos da Tijuca e a Vila Isabel. É realmente “o maior espetáculo da terra”, chavão mais que batido na falta de outro que explique como é que do povo desta cidade - que apanha diariamente do crime organizado, da violência urbana não-coibida, do descaso de seus governantes e até do clima – pode surgir tamanha demonstração de brilho, criatividade, civilidade e organização.

Tenho uma teoria. Ou melhor, duas.

A primeira é sobre os críticos do Carnaval do Sambódromo. São pessoas que dizem de um filme ou de um prato de comida: não vi (não provei) e não gostei. Porque há os com sensibilidade para se encantar com a transmissão televisiva, mas sem estar lá, sambando e cantando a cada nova escola (e é impossível não se arrepiar quando passa mesmo a bateria mais fraquinha), não se pode dizer que se conhece o que é o Desfile.

A outra é sobre a “grande explosão” (TM Beija-Flor) do carnaval carioca neste ano de 2006. É o povo cansado, usurpado, vilipendiado e escravizado pela situação política, econômica e até mesmo cultural do Brasil (onde um ingresso de cinema beira os vinte reais), dizendo pra si mesmo e pra ninguém: “olha aqui, isto é o Brasil, isto é o que somos, isto é o que somos capazes de fazer – e não esta m*** toda que vocês têm feito de nosso país”. Como na época da Ditadura, a criatividade mais uma vez floresce na dificuldade, seja no gênio de Paulo Barros (carnavalesco da Unidos da Tijuca) e na perfeição técnica e emoção suprema do desfile da Mangueira (injustamente não-premiada), seja na alegria espontânea e desconexa das ruas, onde se viveu um clima de festa que se julgava perdido.

Ou como diria o belíssimo samba de Wilsinho Paz, Noel Costa, Alexandre Moraes e Silvio Romai (Beija-Flor 2006):

“Brilhou, no universo refletiu

Uma grande explosão

A mãe Terra enfim surgiu

Do céu uma imensa tempestade desabou

Nas águas se manifestou a vida

Assim ao longo de rios e mares

Surgem civilizações

Com arte e sabedoria

A liberdade buscar

Um novo mundo conquistar”


FOTOS:

1. Comissão de Frente da Beija-Flor ("O Caos Inicial")

2. Comissão de Frente da Beija-Flor (O Big Bang)

3. Apoteose da Bateria Verde e Rosa (Mangueira)




Blog EntryCanção de Amor para Monicat e meu BebêFeb 21, '06 2:06 AM
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Por trás do turbilhão de emoções e pensamentos do dia, enxergo todo um caminho que nos levou até aqui; a vida como ela é e como deveria ser, os sonhos desfeitos tornando-se sonhos perfeitos e a certeza de que sempre haverá lugar para o amor.

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que nos conhecemos, do interesse despertado por sua figura única, decisiva, deslumbrante. Da amizade que brotou espontânea e descompromissada nas tardes de trabalho e conversas lá no hospital, da descoberta das afinidades, de como não nos elegemos íntimos ou sequer amigos: simplesmente sempre o fomos.

Em minha cabeça passam imagens límpidas e fiéis, como num velho filme remasterizado em que as cores se tornam mais verdadeiras que a realidade, das brincadeiras mútuas, dos bilhetinhos irônicos, de sua bolsa em forma de cabeça-de-menina-superpoderosa pendurada no ventilador, das miniaturas do Garfield em seu estetoscópio transformadas em esdrúxulas histórias de amor, da descoberta precoce de que eu poderia te amar... mas não podia.

Um dia eu pude, então; livre das amarras do passado, “cobri-me com a malha de ferro que insiste em pinicar-me o dorso e lancei-me de volta à batalha, montado no destino-pangaré que alimento com o ouro dos meus ideais”, como disse em meu livro “boonoonoos”. E o destino transformou-se então em puro-sangue, levou-me de volta à VIDA (com maiúsculas de caixa bem alta) e ao caminho que hoje me traz a notícia benfazeja de que um filho meu você carrega em si.

Dele – ou dela - ainda não ouso falar. Desejo-lhe a felicidade das células totipotenciais que um dia todos fomos, o desenrolar incompreensível e perfeito do milagre, o enlevo do mistério. Como será? Quem será? Ser-lhe-emos merecedores? Estaremos com ele a cada dia, tão próximos como agora em que ele é você e sou eu, e dormirá no quarto em sua barriga, e sentirá o calor de minhas mãos a velar-lhe o sono?

Outro dia falei sobre o direito de ser pai, citando meus lindos Lucas e Pedro José. Hoje falo sobre a alegria de sê-lo, sobre a infinita bondade inerente a um mundo tão estranho e tão complicado, mas que nos reserva, ainda, tanta felicidade.

Meu bebê:

Há um casal que você conhece bem,

(...) Que não precisa de muita coisa.

Eles estão criando um bebê agora.

Pelo menos há uma dádiva que este mundo permite.

E eu guardarei um bom pensamento para você,

Eu guardarei um bom pensamento para você

Porque eu sei que a estrada é muito longa

Mas em minha cabeça eu sempre guardarei sua canção

E eu guardarei um bom pensamento para você –

Se se sentir sozinho, pense em mim.” (“The Road, EBTG)

Pense em nós. Obrigado, Monicat. Obrigado, Senhor Deus.



Blog EntryTruman Capote em versão genéricaFeb 18, '06 10:09 PM
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Truman Capote (1924-1984) é, ao lado de apenas uma dúzia de outros autores, o que há de melhor na literatura americana do século XX.

Como Fitzgerald, Hemingway e outros, Capote atravessou o caminho usual dos novelistas da época, aperfeiçoando sua técnica em contos publicados pelas melhores revistas da época até ganhar o prestigiado prêmio O. Henry em 1946.

Seu primeiro romance, "Other Voices, Other Rooms" (1948), foi um grande e polêmico sucesso, basicamente pela maneira pouco usual de abordar o tema do homossexualismo. Por esta época já era um nome reconhecido, o que, se ainda não lhe trouxera fortuna, era o suficiente para alimentar uma vida de dândi.

O livro de contos "Breakfast at Tiffany's" trazia na "faixa-título" a célebre personagem Holly Golightly, eternizada nas telas, posteriormente, por Audrey Hepburn; mas também demonstrava que seu autor, mais que um criador de histórias, era um arguto observador da vida humana, um construtor de figuras arquetípicas que importavam mais que a história, em si - como diriam alguns críticos.

Foi somente com seu auto-declarado "romance de não-ficção" "In Cold Blood" (1958) - relato de uma chacina cometida por dois jovens no estado do Kansas - que Truman Capote ascendeu efetivamente ao Olimpo das Letras americanas. O livro, um verdadeiro "tour-de-force" pelo submundo interiorano, com sua paz de fachada escondendo conflitos internos indeclaráveis, foi fruto de uma investigação jornalística na qual não faltaram lances de paixão, desejo, traição e pura canalhice.

Tudo isso vem à tona agora com o lançamento de "Capote", o filme (2005). Ou não, como diria Caetano. Pois o filme é "tudo isso" e nada disso ao mesmo tempo. Incensado pela crítica do mundo todo como uma obra digna do gênio do autor, o filme derrapa na superficialidade com que trata o relacionamento entre Capote e os dois assassinos, na construção (?) de personagens rasos a partir de originais especialíssimos (como Harper Lee, autora de "To Kill A Mockingbird", um clássico; co-investigadora no início da "reportagem" e melhor amiga de Truman no filme), na sonegação sistemática de informações ao espectador. Detalhes básicos da chacina, por exemplo, só são revelados no final da película, quando nem a atuação soberba de Philip Seymour Hoffmann consegue mais nos prender a atenção.

Enfim: um filme aquém das expectativas, que se sustenta tão somente pela absurdamente eficaz "incorporação" do personagem pelo ator protagonista - um dos melhores de sua geração. Hoffmann realmente "tira leite de pedra" ao construir sua réplica de Truman Capote com economia e precisão, sem jamais revalar no histriônico além do que a História nos fala do autor.

Foto 1: Truman Capote e Harper Lee, no filme
Foto 2: Perry (um dos assassinos) e Capote, no filme
Foto 3: Truman Capote, o verdadeiro, circa 1980




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